Título: A ALCA NÃO É MAIS OPÇÃO
Autor: Rubens Barbosa
Fonte: O Globo, 13/06/2006, Opinião, p. 7

OMercosul é nosso destino e a Alca nossa opção ¿ esta já foi a doutrina oficial. O Mercosul está ameaçado e a Alca deixou de ser uma alternativa.

Teria sido melhor para o Brasil negociar a área de livre comércio hemisférica (Alca) ao invés de ajudar a inviabilizá-la?

Autoridades americanas em recentes reuniões na Fiesp deixaram claro que os EUA só terão interesse em retomar os entendimentos da Alca, com vistas a concluir um acordo de livre comércio (ALC) hemisférico, se o modelo for o do Nafta. O que significa negociar um acordo de livre comércio nos moldes do Nafta?

¿ A aceitação de acesso limitado ao mercado dos EUA pela imposição de quotas e outras restrições tarifárias (picos tarifários) e não-tarifárias para produtos considerados sensíveis para as autoridades americanas.

¿ A exclusão do exame das normas de antidumping e subsídios, remetidos à rodada multilateral de Doha.

¿ A inclusão de regras e marcos regulatórios que são mais rigorosos do que as obrigações que o Brasil já assumiu na OMC e, em diversos aspectos, tolhem a capacidade do governo de respaldar medidas de apoio ao desenvolvimento.

Em investimentos, os acordos consagram a eliminação de requisitos de desempenho, inclusive de exportação, e o acesso ao mercado sem presença comercial ¿ ou seja, empresas americanas poderão ter acesso a esses mercados sem precisar fazer qualquer investimento local.

Em solução de controvérsias, aceita-se o questionamento do Estado pelo investidor, segundo o qual o investidor privado de ambas as partes tem o direito de iniciar ação legal contra o governo hospedeiro, caso julgue que tenha ocorrido violação das obrigações assumidas no acordo de investimentos ou mesmo de autorização de investimento.

Em propriedade intelectual, os dispositivos dos ALCs ampliam a base de proteção estabelecida pela OMC em Trips: aumentam os prazos de proteção, incorporam novas categorias de objetos protegidos e introduzem disciplinas para o cumprimento e a fiscalização das obrigações legais.

Quanto a normas ambientais e trabalhistas, os países se comprometem a adotar altos níveis de proteção interna, o que em si é positivo, mas, por outro lado, obrigam-se a aceitar a vinculação do eventual descumprimento a sanções comerciais ou multas (de pelo menos US$15 milhões).

Os países membros do Mercosul não têm nenhum regime preferencial consolidado negociado com os EUA (o SGP é um regime de preferências concedido pelos países desenvolvidos a empresas dos países em desenvolvimento) e por isso não têm incentivo maior para fazer concessões importantes, sem obter ganhos concretos em acesso a mercado no maior mercado do mundo.

A crescente onda protecionista do Congresso americano e o fim da vigência, em julho de 2007, do Trade Promotion Authority (autorização do Congresso para o Executivo negociar acordos de comércio) tornam inviável a negociação de um acordo de livre comércio com o Brasil ou com o Mercosul.

Pelas dificuldades domésticas e externas nas negociações com o Mercosul, o governo de Washington perdeu interesse em levar adiante a negociação da Alca. Por outro lado, o governo brasileiro, sem a perspectiva de ganhos concretos nos produtos que estão afetados pelas atuais medidas restritivas (aço, sapato, têxteis, camarões, etanol, sucos, fumo, açúcar e outros), também se desinteressou em avançar as negociações nos termos propostos pelos EUA.

Quais as conseqüências para o Brasil da não-negociação da ALCA, do ângulo comercial?

As exportações brasileiras pouco serão afetadas, visto que 68% das importações dos EUA entram com tarifa zero ou muito próxima de zero.

Poderá haver desvio de comércio e perda da competitividade dos produtos brasileiros pela margem de preferência mais favorável concedida por México, Chile, Colômbia e Peru aos EUA em relação aos acordos firmados por esses países com o Mercosul.

O que importa agora é como defender o interesse comercial do Brasil em um quadro negativo de negociações.

Caberia, de imediato, propor a abertura de negociações com os vizinhos para obter, pelo menos, a equalização das tarifas concedidas aos EUA.

Até o fim do ano, iniciar, com a participação do setor privado, uma discussão ampla, aberta, transparente, despolitizada de uma nova estratégia para as negociações comerciais, tendo como foco os reais interesses do Brasil no Mercosul e nas relações econômicas com os EUA.

RUBENS BARBOSA é consultor e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).