Título: Bases para 2007
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 15/06/2006, O GLOBO, p. 2

O que tem acontecido nas votações da Câmara justifica, seja quem for o próximo presidente, a preocupação que levou ontem o ministro Tarso Genro a visitar mais um líder da oposição, desta vez Jutahy Júnior, líder do PSDB na Câmara. Sem algum tipo de entendimento em torno de uma pauta mínima mas estratégica para o país, será muito difícil governar.

Numa evidência de que a crise acabou com os alinhamentos eleitorais preexistentes, a base governista já não funciona como tal. Virou ajuntamento ocasional. E demonstrando que sucumbiu inteiramente ao calor eleitoral, a oposição pôs de lado todos os resquícios de compromisso com a racionalidade e a responsabilidade em relação a problemas que são do país, e não apenas do governo que está aí.

Não funcionando mais como uma coalizão, a antiga base governista não se responsabiliza por medidas como a que garantiu 5% de reajuste aos aposentados, contra os 16,5% concedidos, por outra medida provisória, ao salário-mínimo. E, não se responsabilizando, permite que a oposição esqueça o que já disse e fez sobre responsabilidade fiscal e distribuição de renda e aprove emenda estendendo a todos os aposentados o reajuste dado ao mínimo. Na Comissão de Justiça, por um desses ritos que nem os líderes entendem, foi aprovado ontem um aumento para o Poder Judiciário que terá impacto de R$600 milhões este ano e terá custos ainda nos próximos três anos.

¿ Nós estamos tentando chamar a oposição à razão. Esse reajuste para todos os aposentados é uma leviandade. Eu, quando deixar de ser governo, não farei mais a oposição que fazia antes de 2002. Acho que todo o PT pensa assim. Mas eles, do PSDB e do PFL, já governaram o país e sabem o que significam essas medidas ¿ dizia o líder do PT, Henrique Fontana, depois da reunião entre líderes governistas e oposicionistas.

Ele defende ainda que os líderes do Congresso procurem a ministra Ellen Gracie, presidente do STF, assumindo a responsabilidade de negar um aumento que, além dos custos, fará aumentar as disparidades salariais entre os poderes.

A oposição até agora não fez por menos. Quer ver Lula vetando o aumento maior para os aposentados. Se forçar uma negociação em torno de algo pouco acima dos 5%, e que as contas públicas tenham capacidade de absorver, estará no seu papel. Mas se insistir na correção inaceitável pela realidade orçamentária, estará sendo apenas oportunista.

Se o próximo governo enfrentar esse bangue-bangue parlamentar, seja quem for o presidente, estará em maus lençóis. Lula não deve estar acreditando que, se reeleito, estará nos céus apenas por ter cooptado a maioria do disperso PMDB. O candidato Geraldo Alckmin, se eleito, também não deve ter a ilusão de que só com seus aliados eleitorais ¿ PSDB, PFL e PPS ¿ terá berço parlamentar esplêndido.

Tarso Genro, embora evitando externar a certeza da reeleição de Lula, está tentando antecipar o que será uma necessidade forçosa em 2007. Tenta lançar as bases para a construção de um novo ambiente político, no qual haja espaço para os acordos essenciais.

¿ Eu me pergunto se entre nós não há civilidade política suficiente para discutirmos uma pauta básica de interesse do país. Se não podemos nos entender em torno de uma taxa mínima de crescimento e uma tolerância máxima para com a inflação, para ficar só num exemplo ¿ diz ele.

Jutahy respondeu positivamente, pedindo a inclusão de medidas relacionadas com a segurança pública. Isso é negociar.

O curso da campanha não é hora para acordos. É hora da disputa em torno de propostas diferenciadas. Mas o amanhã está logo ali, com os velhos e os novos problemas. Deve haver civilidade pelo menos para a inscrição, na agenda de 2007, de algum encontro em busca do diálogo.