Título: MOTORISTAS RECLAMAM DE DIFICULDADES NA HORA DE RECORRER
Autor: Daniel Engelbrecht e Luiz Ernesto Magalhaes
Fonte: O Globo, 15/06/2006, Rio, p. 11

Para os que têm recursos indeferidos, falta transparência. Para secretário, equívocos são exceções

O engenheiro Pérsio de Castro Silva, de 50 anos, estava em Angola quando seu carro foi multado por avanço de sinal na esquina das ruas São Clemente e Sorocaba, em Botafogo, em 28 de novembro de 2005. Pérsio, que para viajar deixara o veículo estacionado no Aeroporto Tom Jobim, decidiu recorrer da multa. Mesmo tendo anexado cópias da passagem aérea e do tíquete do estacionamento, teve o pedido de anulação da multa indeferido. Casos como esse são comuns nas Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (Jaris) da prefeitura. Para os motoristas, não há transparência nos critérios para análise de recursos.

¿ O cidadão está desprotegido. Prevalece a palavra de um guarda contra a sua, apesar de todas as evidências. Há de fato uma indústria das multas. O trabalho que tem que ser feito de prevenção e educação não existe ¿ diz Pérsio.

Já o empresário Ionio Gamboa Freire, de 40 anos, recebeu duas multas iguais, no valor de R$102 cada, mas não conseguiu que uma delas fosse anulada. Em março, Ionio foi multado por um guarda municipal, por estacionamento irregular, no Largo de São Francisco:

¿ As multas foram aplicadas no mesmo dia, hora e local e pela mesma infração. Não é preciso dizer mais nada. Apesar disso, tive o recurso indeferido e precisei pagar. Deveria haver uma forma de acesso ao andamento dos processos administrativos. Ninguém sabe onde os recursos são julgados e por quem.

O músico Fernando Pastor, de 37 anos, engrossava o coro de insatisfeitos, ontem, na Jari da Rua do Riachuelo, no Centro. Ele recebeu sete multas nos últimos meses, quatro delas da CET-Rio, mas diz que não foi notificado de nenhuma. Pastor diz que só descobriu as multas quando foi agendar a vistoria anual. Ele não admite ter cometido as infrações e teme que os recursos sejam indeferidos.

¿ O grande problema é que somos multados sem saber. O guarda multa sem avisar, a notificação não chega e as pessoas é que têm que enfrentar o transtorno de recorrer.

O secretário municipal de Transportes, Dalny Sucasas, diz que os equívocos são exceções e que os guardas municipais têm fé pública.

¿ Nem sempre o documento apresentado pelo motorista prova que o veículo não estava no local. Um tíquete de pedágio sem a placa do carro, por exemplo, não identifica que de fato aquele veículo estava em outro local em vez daquele em que foi multado.

A falta de educação no trânsito de muitos motoristas, contudo, justifica a maior parte das multas. Ontem à tarde, por duas horas, O GLOBO flagrou dezenas de irregularidades em vários pontos da cidade, como carros estacionados sobre a calçada, muitas vezes debaixo de placas de proibido estacionar.

A falta de respeito às normas também pode ser constatada pelos números do Detran referentes ao pagamento do IPVA e da realização da vistoria anual obrigatória. Dos 1.930.229 veículos registrados no município do Rio em 2005, mais da metade ¿ 1.125.814 ¿ não passaram pela vistoria e 401.180 não tiveram o imposto pago em 2005.