Título: MULTAS A TODO VAPOR
Autor: Daniel Engelbrecht e Luiz Ernesto Magalhaes
Fonte: O Globo, 15/06/2006, Rio, p. 11
Arrecadação da prefeitura com infrações aumenta 43% em 4 anos e levanta polêmica
Aprefeitura registrou um aumento real (descontada a inflação) de 43,32% na arrecadação com multas de trânsito em quatro anos. A receita chegou a R$65,1 milhões em 2005, contra R$45,4 milhões em 2001. Os dados constam do relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) sobre as contas do prefeito Cesar Maia de 2005, aprovadas em plenário na última segunda-feira. As razões para o aumento da arrecadação viraram motivo de polêmica entre especialistas de trânsito: enquanto para uns reflete o mau comportamento dos motoristas, para outros comprova a existência de uma ¿indústria de multas¿.
Para o presidente do Conselho Estadual de Trânsito (Cetran), José Henrique Viana, o poder público e os motoristas são igualmente culpados. As bandalhas, segundo ele, se refletem também nas estatísticas de vítimas de acidentes, tanto na capital como no interior do estado. O Grupo de Socorro de Emergência (GSE) do Corpo dos Bombeiros registrou, entre 2003 e 2005, um aumento de 25,3% no total de acidentes com mortos e feridos no estado.
¿ O problema no Rio é igual ao do resto do país. Não se educa o infrator apenas aplicando multas. Por outro lado, o motorista também não faz sua parte: circula em veículos em más-condições de uso e desrespeita a sinalização mesmo quando ela é de boa qualidade ¿ diz Viana.
O coronel Fernando Soarez, coordenador do GSE, também reclama da falta de campanhas educativas, tanto dos municípios quanto da União. Ele considera que a possibilidade de o motorista escapar impune graças a leis que concedem anistia a multas também acaba se refletindo também nas estatísticas.
¿ Quando o Código de Trânsito entrou em vigor, há quase dez anos, o medo de ser punido com multas pesadas levou a uma queda do número de acidentes com vítimas. Mas a possibilidade de ser anistiado aumentou a impunidade e em nada ajudou na educação dos motoristas ¿ diz Soarez.
Quarenta lombadas eletrônicas a mais
O secretário municipal de Transportes, Dalny Sucasas, rebate as críticas. Ele alega que a arrecadação com multas não cobriu as despesas de 2005, que chegaram a R$71 milhões, incluindo investimentos em projetos viários, modernização da sinalização, e campanhas de educação no trânsito em praças e escolas. No período também houve um aperto na fiscalização. Desde outubro de 2004, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio) ativou 40 novas lombadas eletrônicas.
¿ O aumento da fiscalização pode ter se refletido na arrecadação de 2005. Mas indústria de multas não existe. São Paulo tem uma frota que é o dobro da nossa e, proporcionalmente, a arrecadação com multas é muito maior: em 2005 chegou a quase R$200 milhões ¿ diz Dalny.
Já o vereador Chiquinho Brazão (PMDB), presidente de uma CPI na Câmara que acompanha a aplicação dos recursos das multas, questiona o conceito da prefeitura de investimento em educação no trânsito. Um dos pontos que ele critica é o uso da receita das multas para pagar salários dos agentes de trânsito da Guarda Municipal.
¿ Quem fiscaliza o trânsito é beneficiado pelas multas. Isso é uma demonstracão clara de que, quanto pior para o motorista, melhor para a prefeitura ¿ argumenta.
De acordo com as contas analisadas pelo TCM, R$14,9 milhões (22,8% do total arrecadado com as multas) foram usados para remunerar os agentes. Para o TCM, porém, não há qualquer irregularidade nisso, já que essa destinação está prevista no Código de Trânsito Brasileiro.
O engenheiro Fernando Diniz, que articula com amigos a formação de uma nova entidade para amparar parentes de vítimas de trânsito, não acredita em indústria de multas.
¿ O que existe é uma indústria de infrações de trânsito por parte de maus motoristas. Mas, infelizmente, a fiscalização para punir essas pessoas ainda é muito deficiente ¿ acredita.
A polêmica sobre multas também chegou à Região dos Lagos. Secretários de turismo reclamam que o excesso de radares e lombadas eletrônicas ¿ são 20 só na Rodovia Amaral Peixoto (RJ-106), uma das vias de acesso às cidades ¿ está atrapalhando o turismo na região. Eles querem que o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) avalie a necessidade de tantos equipamentos. O órgão, por sua vez, informou que o número de acidentes caiu desde a ativação dos equipamentos e que não vai atender ao pleito. Entre fevereiro e maio deste ano, quando os equipamentos já estavam ligados, foram registrados 55 acidentes com vítimas, contra 89 no mesmo período do ano passado.
Segundo o presidente do Fórum de secretários de Turismo da Costa do Sol, José Vasconcelos de Luna Júnior, alguns turistas que visitam o litoral norte do estado gastam mais dinheiro com multas do que deixam nas cidades:
¿ Além de o número de radares e lombadas ser excessivo, não existe uma padronização. Há trechos com limite de velocidade de 80km/h e outros, de 50km/h. Quem é multado pensa duas vezes antes de voltar a visitar a região.