Título: Mercado ligado
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 15/06/2006, Economia, p. 20

Os fundamentos do Brasil são bons. Esse é o mantra dos economistas atualmente. Os da Turquia são horríveis. Mas Brasil e Turquia tiveram, desde 10 de maio, mais ou menos a mesma perda em bolsa. A explicação para o fato é simples: os preços dos ativos financeiros no mundo globalizado são relativos. Se as bolsas caem demais em outros países, os preços ficam relativamente caros no Brasil. Aí o investidor vende aqui também.

Os mercados estão todos conectados e o investidor externo é o mesmo. Se um investidor perdeu muito num mercado, ele vende onde perdeu menos e aí derruba esse mercado também.

Quando é essa lógica que está em jogo, os fundamentos não importam muito. Mas isso não significa que os tais fundamentos não valem nada. Claro que valem. O Brasil ter superávit em transações correntes há quatro anos, ter reduzido substancialmente a dívida externa do setor público, ter pago antecipadamente dívidas com o FMI, ter resgatado dívida para limpar os próximos anos do pagamento de principal, ter acumulado reservas e aumentado o saldo comercial fazem diferença num momento de nervosismo internacional como este. Isso tudo, aliado ao fato de que o câmbio é flutuante, tira do nosso horizonte as apostas contra a moeda que nos produziram as angustiantes crises cambiais do final da década de 90.

Mas o mundo agora é um lugar mais difícil para viver. Mudou o clima, o humor e a tendência. Esta semana, os bancos ficaram olhando obsessivamente para aquela coleção de indicadores que saem semanalmente nos Estados Unidos. Na terça-feira, saíram números que, juntos, deram uma má notícia. Duas más notícias: a economia americana está se enfraquecendo, como mostrou o dado de vendas do varejo, e a inflação está um pouco mais alta do que o esperado, como mostrou o índice de preços no atacado. Ontem, houve mais uma: o índice de preços ao consumidor, o CPI (na sigla em inglês), estava também acima do esperado.

Mas aí, como as bolsas já haviam perdido demais na véspera, nesta quarta-feira algumas análises tentavam tranqüilizar com o seguinte argumento: a forma de calcular o aumento de aluguel distorce um pouco o núcleo do CPI. Descontada a distorção, o número não é tão ruim, diziam alguns. Outros não acreditavam nesse desconto. Número é relativo na economia. Depende de como se faça a conta.

¿ A inflação está trazendo más notícias, sim. Se pegarmos a média móvel trimestral do número do CPI e anualizarmos vamos ter 3,8%. É acima de tudo o que é aceitável para o Fed ¿ diz o economista Luis Fernando Lopes, do Banco Pátria.

O fato é que a economia americana está num dilema. Se a inflação estiver mesmo em alta, significa que os juros vão subir. Se a economia estiver mesmo desacelerando, significa que essa alta de juros vai derrubá-la ainda mais. Os economistas dos bancos tentam adivinhar, nos indicadores que saem, nas entrevistas dos integrantes do Fed, nos comunicados do Fomc (o Copom deles), como, afinal, o Fed, sob nova direção, vai reagir diante da dupla ameaça.

O Livro Bege é outra fonte para se entender como o banco central americano vê o que está acontecendo. O que foi divulgado ontem manteve a mesma dúvida, porque mostra que a economia está crescendo, mas já há sinais de desaceleração. Que os salários estão subindo, mas de forma moderada. Que o mercado de imóveis comerciais ainda está forte, mas o de residenciais está se enfraquecendo. Uma economia em transição para alguma coisa que não se sabe exatamente o que é. Que pode ser um pouso suave, mas que pode ser uma queda.

Tudo indica que a volatilidade vai continuar. A oscilação do preço dos ativos terá mais a ver com o movimento de capitais tentando se defender da queda de preços do que dos fundamentos de cada economia.

O mais preocupante sobre o Brasil não é esta queda de bolsa, com dias de recuperação como ontem. O que realmente nos ameaça é que o país não está na rota do crescimento sustentado ainda. Ele melhorou um pouco na melhor fase do mundo, mas teve um desempenho medíocre. Num mundo que estiver crescendo menos, o Brasil dificilmente segura um ritmo maior de crescimento.