Título: APELO À JUSTIÇA
Autor: EMILY GOLDMAN
Fonte: O Globo, 16/06/2006, Opinião, p. 7

Odia 7 de junho de 2006 teria sido o 75º aniversário de irmã Dorothy Stang. Seria o segundo aniversário desde que ela foi brutalmente assassinada, em Anapu. Enquanto o tempo passa, continuamos a lutar pela justiça, seguindo o exemplo que ela deixou com os 39 anos que viveu na sua amada comunidade de agricultores brasileiros sem terra.

Estávamos presentes quando a História foi escrita, em 26 de abril, em Belém. Amair Feijoli da Cunha (¿Tato¿), o intermediário no assassinato de irmã Dorothy, foi levado a julgamento e sentenciado a 18 anos de prisão por ter contratado os pistoleiros. Tínhamos antes aplaudido o sistema judiciário do Pará pela maneira admirável como foi conduzido o julgamento dos pistoleiros, em dezembro de 2005, e pelo rigor das sentenças que foram pronunciadas. Ficamos profundamente satisfeitos pelo julgamento de abril, sentindo que ele representou o despertar de um novo dia no Pará.

Agora, entretanto, estamos alarmados pelo que parece ser a distinta possibilidade de que a Justiça ficará emperrada e reinará a impunidade. O que definirá a presença ou ausência da impunidade, nesse caso emblemático, será se os mandantes serão levados de imediato a julgamento e o procedimento devido será seguido. Regivaldo Pereira Galvão, um dos mandantes, está no momento aguardando do ministro César Peluzo, do Supremo Tribunal Federal, resposta ao seu pedido de hábeas-corpus.

Se for concedido o pedido de Regivaldo e ele libertado, entendemos que, sem dúvida, ele deixará o Brasil ou desaparecerá internamente, e nunca será julgado pelo seu papel no assassinato de irmã Dorothy. Há muitos exemplos no passado de situações semelhantes, e tememos que a história se repita. Estamos gravemente preocupados com a possibilidade de que, libertado, ele use seu imenso poder para intimidar, ferir e/ou matar as testemunhas do caso.

Conceder hábeas-corpus a Regivaldo será ferir a justiça e demonstrar claramente que a impunidade continua a vigorar na Amazônia. A única solução é rejeitar o seu pedido e julgá-lo o mais rápido possível pelo seu papel no assassinato de irmã Dorothy. O Brasil tem uma obrigação tanto moral quanto legal de assegurar que ele vá a julgamento. Há fartas provas de que ele esteve diretamente envolvido no planejamento e financiamento do crime, e certamente suficientes para que ele fique detido enquanto espera julgamento. Tivemos as provas no depoimento de Tato, no qual ele ligou diretamente Regivaldo ao assassinato.

Apelamos ao secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e ao presidente Lula para que se manifestem publicamente sobre essas questões críticas, denunciando a impunidade como inaceitável pelo povo brasileiro corajoso e cordial a que irmã Dorothy se dedicou, e afirmando vigorosamente a necessidade de que Regivaldo seja levado a julgamento. Afinal, foi ao antecessor de Vannuchi que irmã Dorothy denunciou seus matadores, por nome, 10 dias antes de ser assassinada. É apenas justo que a pessoa que ocupa agora o cargo se pronuncie sobre essa questão.

A decisão do ministro Peluzo representa um momento crítico na história da impunidade no Brasil. O sistema jurídico brasileiro tem a oportunidade de demonstrar que pode proteger e protegerá os direitos humanos e honrará suas obrigações nacionais e internacionais de fazê-lo. Se, ao contrário, ele preferir atender ao pedido de Regivaldo, o sistema de ¿justiça¿ se tornará cúmplice da persistente impunidade na Amazônia.

Apelamos ao ministro Peluzo para que negue o pedido de hábeas-corpus de Regivaldo. Apelamos à Justiça do Pará para que julgue Regivaldo o quanto antes pelo seu papel nesse crime atroz.

EMILY GOLDMAN é diretora do Robert F. Kennedy Memorial Center for Human Rights, de Washington.