Título: O CULTO AO CORAÇÃO DE JESUS
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 17/06/2006, Opiniao, p. 7

Omês de junho é dedicado ao Sagrado Coração de Jesus, pela tradição católica popular. O Papa João Paulo II em visita à Polônia na homilia da missa, celebrada a 6 de junho de 1999, assim se expressava: ¿Sinto-me feliz porque a pia prática de recitar ou cantar, todos os dias no mês de junho, as Ladainhas ao Sagrado Coração de Jesus é tão importante e persevera sempre na Polônia.¿

Entre nós, também o mês de junho é tradicionalmente devotado ao Coração de Jesus.

A ¿Missão Popular Rumo ao III Milênio¿, levada a efeito em toda a cidade do Rio, obteve consoladores frutos. A devoção ao Sagrado Coração foi incluída no texto-base da Missão que teve por lema ¿Jesus é o coração novo para o Rio 2000¿. Aliás, o Cristo Redentor, no Corcovado, traz, de modo especial, como símbolo do Amor de Deus aos homens: um coração. O total das paróquias na Arquidiocese do Rio de Janeiro era então 240. Destas, apenas quatro não foram capazes de cumprir a tarefa. Um número superior a 200 mil residências, visitadas mais de uma vez pelos missionários. Tudo convergiu para a consagração da cidade ao Sagrado Coração de Jesus.

Em nosso país não se escreve a História Eclesiástica do século passado sem uma referência ao Apostolado da Oração, que tem sido eficiente veículo de culto ao Coração de Jesus. Se houver falhas, que sejam corrigidas, que se renove a estrutura, mas não se suprima. O Concílio Vaticano II veio aperfeiçoar a vida religiosa e não criar vazios. Diante das alterações litúrgicas e das transformações de mentalidades, em nossa época, poder-se-ia perguntar se ainda há lugar para essa devoção ou se ela merece ser propagada, vivida e estimulada. Minha resposta tranqüila é afirmativa.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus goza de especial importância em nossos dias tão agitados. Na sua homilia que citei anteriormente, o Papa João Paulo II nos advertia: ¿A vida humana e o mundo construídos sem Deus, no fim, voltar-se-ão contra o homem.¿ Disto tivemos numerosas provas neste século XX. Transgredir os mandamentos divinos, abandonar o caminho traçado por Deus, significa cair na escravidão do pecado, e diz São Paulo na Epístola aos Romanos: ¿O salário do pecado é a morte¿ (Rm 6,23).

A 23 de maio último, o Santo Padre Bento XVI na carta ao padre Kolvenbach, Geral da Companhia de Jesus, por motivo dos 50 anos da publicação da Encíclica ¿Haurietis Aquas¿, de Pio XII, considera o culto ao Sagrado Coração de Jesus como ¿fundamental devoção¿ e comenta: ¿Cinqüenta anos depois permanece sendo uma tarefa sempre atual para os cristãos continuar e aprofundar sua relação com o Coração de Jesus para reavivar a fé no amor salvífico de Deus.¿

Neste período pós-conciliar, a devoção ao Sagrado Coração permanece, pois ela possui sólidas bases teológicas e uma eficácia religiosa com raízes profundas em nosso povo e na mentalidade brasileira. A pastoral pede a preservação desta prática de piedade.

A chaga aberta na Sexta-Feira Santa, conforme o evangelista São João (19,34): ¿Um dos soldados abriu-lhe o lado com a lança¿, nos conduz ao Mistério da Redenção. O culto ao Coração de Jesus tem uma força específica. A religião cristã não venera idéias abstratas. Ela vive do fato concreto: a pessoa de Jesus Cristo. O amor redentor de Deus não é produto de uma mera reflexão teológica, mas é realidade que tem seu lugar e sua hora na História do mundo. A veneração ao Sagrado Coração de Jesus vai além do órgão físico para atingir o princípio vital, a pessoa do Senhor, o Mistério da própria Encarnação. Esta é a base de nossa fé: Deus viveu na carne humana; o Coração de Jesus, símbolo de sua pessoa, é o resumo deste mistério que nele adoramos.

O Santo Padre, nesta sua Carta, nos convida a conhecer, experimentar e testemunhar o amor de Cristo, manifestado no momento supremo no qual, do seu lado, jorrou sangue e água na Cruz. O mês de junho nos oferece uma excelente oportunidade para conhecer o amor do Pai em seu Filho, experimentar o amor de Deus, dirigindo o olhar ao Coração de Jesus, e viver, testemunhar uma grande experiência de vida cristã. Assim, estaremos celebrando, condignamente, o qüinquagésimo aniversário da encíclica ¿Haurietis Aquas¿ de Pio XII, sobre o culto ao Sagrado Coração de Jesus.

Peçamos ao Sagrado Coração de Jesus que ilumine os dirigentes do nosso Brasil.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio.

A devoção goza de especial importância em nossos dias tão agitados