Título: Dever de casa
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/06/2006, O GLOBO, p. 2

Campanha eleitoral é momento de explicitar divergências e diferenças entre projetos em busca do voto do eleitor. A pororoca verbal faz parte mas, quando se impõe ensurdecedoramente, impede que se discuta qualquer coisa. E o eleitor vota por medo, por esperança, por simpatia ou por resignação mesmo.

As diferenças entre uma continuidade com Lula e uma mudança com Geraldo Alckmin não apareceram. Diferenças de projeto, rumo, propostas. E por isso mesmo é que a maioria do eleitorado, segundo as pesquisas, está preferindo a continuidade. Talvez não haja mesmo diferenças a discutir sobre a economia ou sobre as políticas sociais. Dessas últimas, o que se discute agora é apenas o DNA.

Mas sobre a reforma política, mais cedo ou mais tarde terão os dois lados que dar uma palavra. Esse é um dever de casa passado pela crise. Do contrário, parecerá que, apesar de tudo o que aconteceu com o PT (e está aí de novo a Lista de Furnas assustando os tucanos), ninguém quer mudar nada para não perder a oportunidade de se lambuzar quando tiver vez.

Na verdade, no meio da pororoca ouviu-se algo de Geraldo Alckmin. Falou de passagem numa reforma que acabe com a reeleição e implante o sistema eleitoral distrital misto. Ouviu-se também o ministro Tarso Genro falar em reforma com financiamento público de campanhas com fidelidade partidária e lista fechada de candidatos.

O deputado Miro Teixeira, do restrito grupo dos que se incomodam com o sistema político, cobra agora a resposta a dar em 2007. E começa ele por discordar dos dois esboços mencionados no meio da algaravia que mistura ataques histéricos da oposição e bazófias do presidente-candidato cada vez mais autoconfiante.

A reforma começa na eleição, diz ele, com a cláusula de barreira, que passará o quadro partidário por peneira fina. Passada a eleição, acredita que, sem mexer no sistema eleitoral (nem lista nem sistema distrital), será possível atacar um flanco podre, que ajuda a degenerar as relações entre o Executivo e o Legislativo em balcão de trocas.

Isso viria com a mudança drástica na forma de preenchimento dos cargos de confiança. Seriam reduzidos e passariam a ser ocupados exclusivamente por servidores de carreira e especialistas das universidades. De livre provimento, restariam uns poucos cargos para os ministros. É natural que eles queiram alguém de confiança como ordenador de despesa, por exemplo. Afinal, podem ser incriminados por atos desse subordinado. Essa e algumas exceções não alcançariam 5% dos cargos existentes.

Miro está coletando assinaturas para uma emenda constitucional nesse sentido. Vai apresentá-la ao PT e ao PSDB e desafiar os candidatos a se comprometerem com ela na campanha.

¿ O Estado tem que se profissionalizar. E, quando isso for feito, os partidos vão apoiar um governo pelo interesse em ser parceiros e executores de suas políticas públicas. Se elas forem boas, terão dividendos. Hoje, buscam cargos para fazer negócios e atender clientelas eleitorais. Senão, por que tanto interesse em diretorias de compras?

Isso resolve parte do problema mas não desata o nó: como podem os governos buscar a maioria ¿ que a dispersão partidária não confere a qualquer sigla ¿ sem descambar para o fisiologismo e derivados? O chamado mensalão é um derivado. Como os cargos já não atendiam à demanda, Delúbio/Valério deram dinheiro vivo aos chefes partidários, embora não se tenha provado que distribuíram o dinheiro e a quais deputados.

Miro concorda mas saca outra proposta: o orçamento impositivo.

¿ Se a emenda de um parlamentar atende a uma obra necessária, deve ser aprovada e executada. Do contrário, não devia nem ter sido aprovada. Com isso fecha-se o segundo balcão das barganhas entre o Congresso e o governo à custa do dinheiro público. Acaba-se com a emenda carimbada para a empreiteira que financia a campanha, com a farra de ambulâncias dos sanguessugas e outras vilanias orçamentárias.

Essa visão minimalista da reforma política, diz Miro, tem foco na mudança da cultura, e não das regras da política. O caixa dois, diz ele, chegou às eleições mas tem berço nas empresas. As nomeações vêm do velho familismo lusitano. De fato, mas talvez seja preciso combinar a visão culturalista com a funcionalista, e mexer também nas regras. Miro acha o financiamento público de campanhas inócuo, mas outros acham que, mesmo não acabando com o caixa dois, democratizaria a disputa, favorecendo a renovação. Miro acha que a lista fechada levaria ao voto biônico, no partido e não no candidato. Aponta distorções nos países que a adotam. Há quem ache que a lista fortaleceria o partido, estreitaria seus vínculos com os eleitores e reduziria o personalismo que leva à indisciplina e à infidelidade.

Certo é que, se a discussão não for aberta, envolvendo nela a sociedade, não sairá mudança alguma. Faremos uma eleição, virá um próximo governo mas não teremos melhorado em nada a qualidade da democracia, acreditando que ela resistirá sempre a todas as crises. Não é assim.