Título: MAIS VERBAS, MAIS INVASÕES
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 18/06/2006, O País, p. 3

Apesar de aumentar repasses para sem-terra, governo enfrenta onda crescente de ocupações

Os números da reforma agrária no país escondem uma desafiadora contradição: o aumento significativo dos investimentos em ações no campo, nos últimos cinco anos, não foi capaz de reduzir a violência dos movimentos sociais. Pelo contrário. Enquanto os gastos com a agricultura familiar e assentamentos aumentaram mais de sete vezes, entre 2001 e 2005, cresceram também os registros de invasões a propriedades comandadas por grupos de sem-terra. Entre 2001 e 2003, foram 483 ocupações. De 2004 até março deste ano, elas já somam 658.

Levantamento feito pelo site ¿Contas Abertas¿ mostra que os repasses feitos a entidades sem fins lucrativos ligadas à reforma agrária crescem ano a ano. Em 2005, os repasses atingiram o pico de R$280 milhões, mais do que o dobro repassado em 2001 e 2002 (R$109 milhões). Este ano, apenas com os chamados restos a pagar, herdados de 2005, já foram desembolsados R$55,2 milhões. Somados todos os investimentos na gestão de Lula, a cifra chega a R$549 milhões.

No ranking das dez entidades mais beneficiadas nos últimos 15 meses está a Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária (Anara). De ilustre desconhecida, a entidade passou à condição de investigada pela Polícia Federal por abastecer o Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), cujos militantes invadiram e depredaram a Câmara no último dia 6, deixando 41 feridos.

A Anara tem entre os seus dirigentes o petista Bruno Maranhão, preso desde que comandou a invasão ao Congresso. Este ano, a entidade recebeu R$1 milhão, deixando para trás outras 251 entidades que também receberam recursos do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário. Desde 2004, o total dos repasses à Anara chega a R$5,7 milhões. Diante do tratamento generoso, os especialistas procuram entender as razões que levaram a associação a radicalizar sua atuação.

¿ Os movimentos sociais estão perdidos e, desesperados, procuram novos inimigos. Não é tão simples identificar o presidente Lula, um líder popular, como inimigo. Elegeram o Congresso ¿ arrisca o professor Flávio Botelho, integrante do Núcleo de Estudos Agrários da Universidade de Brasília (UnB).

MST: R$34 milhões do governo desde 2000

Apesar dos ânimos exaltados, os recursos para a reforma agrária são hoje bem mais fartos do que há cinco anos. Em 2001, penúltimo ano do governo Fernando Henrique Cardoso, o orçamento do Ministério do Desenvolvimento Agrário foi de R$1,7 bilhão. Ano passado, penúltimo ano do governo Lula, saltou para R$3,3 bilhões. Desse total, mais da metade (R$1,9 bilhão) foi aplicada na rubrica inversões financeiras, que inclui créditos para a instalação de famílias assentadas e a obtenção de imóveis rurais para a reforma agrária.

Os gastos com as entidades sem fins lucrativos também cresceram comparativamente. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), grupo mais conhecido e responsável pelo maior número de invasões de propriedade, também não ficou à mingua. Segundo levantamento da CPI da Terra, recebeu desde 2000 mais de R$34 milhões do governo federal. Nesse mesmo período, comandou 1.267 invasões.

Para receber os recursos, o MST valeu-se de três entidades sem fins lucrativos: a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca), a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária (Concrab) e o Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa de Reforma Agrária (Iterra).

Especialista alerta que tensão pode aumentar

O ministério não informou se continuará a repassar recursos a essas entidades. Disse apenas que utiliza três critérios para fechar os convênios e liberar recursos: capacidade técnica, avaliação jurídica e fiscalização dos serviços.

Mesmo com o aumento nos gastos com a reforma agrária, especialistas dizem que a tensão no campo pode aumentar. Botelho prevê que milhões de trabalhadores rurais devem perder o emprego nos próximos anos com a modernização da indústria agrícola brasileira. Por isso, afirma Botelho, as famílias que estão sendo assentadas agora precisam ter condições de se inserir no mercado e vender seus produtos a preços atrativos:

¿ Os movimentos sociais não resolveram os seus problemas porque não basta aumentar recursos e o número de assentamentos. É preciso fazer com que os agricultores tenham como vender seus produtos e se inserir no mercado, o que não é tão simples ¿ afirma Botelho.