Título: PERU DE NATAL
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 18/06/2006, O País, p. 4

O cientista político Cesar Romero Jacob, professor da PUC do Rio de Janeiro, não considera que a eleição já esteja definida em favor de Lula. Ele dá razão ao candidato tucano Geraldo Alckmin e vê apenas como ¿um valor relativo¿ as pesquisas eleitorais até o mês de junho. Somente a partir de julho, depois que todos os acordos políticos forem selados, e entrarem em funcionamento as diversas máquinas políticas, sejam religiosas, partidárias, sindicais, empresariais, dos movimentos sociais, é que ele acha que teremos uma idéia mais clara do potencial de cada candidato. O que os estudos de eleição presidencial indicam, segundo ele, é que há sobre o território diversas estruturas de poder, que estão em estado de inércia nesse momento.

Romero Jacob acha que os programas de propaganda eleitoral de rádio e televisão, a partir de 15 de agosto, terão seu peso na eleição, mas diz que antes mesmo de irem ao ar, essas máquinas entrarão em ação mostrando a real força de cada contendor.

Dos cruzamentos diversos que ele tem feito, ficou com a impressão de que tudo depende desses arranjos. Romero Jacob acha que a vitória de Fernando Collor em 1989 precisa ser mais bem estudada como modelo de se chegar ao poder. Collor teria sido inaugural na proposta de montar um esquema de campanha eleitoral à base dos instrumentos modernos de pesquisa, que depois foi copiado tanto por Fernando Henrique quanto por Lula em 2002, ao mesmo tempo em que usava as diversas máquinas políticas.

Os municípios de até 50 mil eleitores correspondem a aproximadamente 45% do eleitorado, e ele lembra que lá o que vale não é discurso nem marqueteiro, mas verbas federais.

Essas verbas dependem dos arranjos eleitorais que são feitos, que envolvem os deputados estaduais e federais, que se articulam com os governos estaduais e federal. Na região metropolitana pobre, o apoio depende dos arranjos com os políticos clientelistas e populistas, e as igrejas evangélicas.

Só para a opinião pública dos grandes centros é que o candidato precisa de um discurso competitivo. É aí, na busca do apoio dos formadores de opinião, da classe média urbana, é que acontece a verdadeira competição eleitoral. Por isso, na visão de Romero Jacob, Fernando Henrique fez o PSDB se aliar ao PFL em 1994, pois naquela ocasião o PSDB não tinha máquina política no interior do país.

Fechou também acordo com as igrejas evangélicas, que não queriam saber de Lula, apoiado pela Igreja Católica, que era a rival desses grupos evangélicos na periferia. O paradoxo é que hoje Lula se aproxima dos evangélicos, chegando a fazer aliança política com o PRB, partido fundado pelo bispo Edir Macedo, e se afasta da esquerda da Igreja Católica.

Em 2002, Lula vai buscar o apoio dos caciques políticos para ter os votos dos grotões. De 1998 para 2002, Lula teve um aumento enorme de votação em Tocantins, por exemplo. O Tocantins não virou petista, simplesmente Lula fez um acordo com os Siqueira Campos, como fez com oligarcas como Antonio Carlos Magalhães e José Sarney, ressalta Romero Jacob.

Desde então, os discursos ficaram muito parecidos, porque todos os candidatos fazem pesquisas qualitativas e sabem exatamente o que o eleitor quer ouvir. Em 2002, Garotinho tirou o voto evangélico que já fora de Collor e Fernando Henrique e iria para Serra, e tentou tirar o voto ideológico do Lula, a mesma estratégia que tentaria na eleição deste ano.

O discurso competitivo do candidato Geraldo Alckmin, na opinião de Romero Jacob, não deveria ser o da ética, porque a população está convencida, segundo ele, de que chegando ao poder, todos os partidos têm que conviver com a corrupção.

A situação de Alckmin estaria mais difícil porque os discursos dos candidatos tendem a ser semelhantes, e o que vai definir a eleição serão os acordos políticos que estão sendo fechados nesse momento, durante o período de convenções partidárias que termina no dia 30 deste mês.

Para o professor Romero Jacob, é importante ter em mente que não há mais amadores nas campanhas eleitorais. A única que fará discurso ideológico será a senadora Heloísa Helena, do PSOL. Os demais competidores que têm chance de vitória não farão, um sintoma da ¿americanização da política¿ segundo Romero Jacob, e que o PSOL chama de ¿americanalhização¿ da política.

Aproveitando o clima, Romero Jacob faz uma comparação da campanha eleitoral com a Copa do Mundo: ¿Todos os times vêem os jogos dos adversários, têm programas de computador para analisar as jogadas, ou seja, todo mundo olha o jogo do outro¿. Na análise de Romero Jacob, o modelo de campanha que prevaleceu até 1989, onde todos os candidatos faziam discursos ideológicos e Collor se impôs com uma nova agenda e uma nova maneira de fazer campanha, já não existe mais.

Fazendo uma caricatura, Romero Jacob diz que em 1989 Lula defendia o socialismo, Brizola defendia o socialismo Moreno, e Mario Covas do PSDB defendia o choque do capitalismo, e foram atropelados pelo Collor. Em 1994, segundo ele, Lula insistiu no discurso ideológico enquanto Fernando Henrique aprendeu com os erros de Covas e imprimiu um tom mais moderno à sua campanha.

Em 2002, essa ¿americanização¿ da política se generalizou. Romero Jacob está convencido de que, ao contrário do que mostram as pesquisas hoje, a eleição será ¿uma luta renhida, não será um passeio para ninguém¿. Ele ressalva que com isso não quer dizer que não considere possível que Lula vença. Apenas acha que Alckmin não é ¿peru de Natal, que morre de véspera¿.