Título: EXAMES PSIQUIÁTRICOS SÃO MAIS FREQÜENTE ENTRE RÉS
Autor: Dorrit Harazim
Fonte: O Globo, 18/06/2006, O País, p. 12

Maldade feminina desarruma valores morais construídos pela sociedade ao longo de séculos

SÃO PAULO. A professora de direito Anne McGillivray acredita que a incorporação de disciplinas como psiquiatria, psicanálise e avaliação de personalidade do réu, além da legitimação do diagnóstico médico-legal a processos criminais, acaba diminuindo a responsabilidade da Justiça diante de uma figura que a sociedade ocidental tem dificuldade em julgar: a ¿mulher do mal¿. Sobretudo se ela for jovem, bonita e de perfil inocente. A mulher má desarruma valores morais construídos ao longo de séculos. Apesar da milenar associação de mulher com pecado e sedução, o confronto da sociedade com o mal feminino ainda é problemático. Para a sociedade, julgar Karlas e Suzanes pelo prisma da mulher brutalizada parece ser menos perturbador. Advogados de defesa sabem disso, é claro.

Estudos mostram que mulheres acusadas de crimes costumam ser submetidas a avaliações psiquiátricas com mais freqüência do que criminosos do sexo masculino. Ainda assim, lembra a canadense McGillivray, Sigmund Freud jamais sustentou que o quadro psicológico de um acusado deveria atenuar sua responsabilidade criminal. Freud tampouco acreditava que as ciências da mente devessem servir para explicar o comportamento criminal de alguém.

Antes de abrirem os portões da penitenciária de Sainte-Anne-des-Plains, norte de Montreal, para Karla Homolka voltar ao convívio social após ter zerado seus 12 anos de cadeia, as autoridades canadenses tomaram precauções. Todos os ministros de Estado receberam instruções por escrito sobre como responder à indignação popular diante de pena tão curta. Trezentos mil residentes de Ontário tinham assinado uma petição exigindo a anulação do acordo de delação que beneficiou Karla. Uma página na internet oferecendo prêmios em dinheiro para quem acertasse a data em que Karla seria assassinada ao sair da prisão recebia apostas em série. O site foi comprado às pressas pela Coalizão Canadense Contra a Pena de Morte.

Cumpriu-se a lei. Em 4 julho de 2005, Karla Homolka readquiriu os direitos civis. Estava livre, tinha 35 anos de idade e não perdera a estampa vistosa. Sua foto mais recente a mostra num subúrbio de Montreal, tomando sorvete e passeando com um cachorro. Tanto no seu caso como no de Suzane von Richthofen, fascínio e repulsa testam sentimentos da sociedade. Enquanto isso, Paul Bernardo e os irmãos Cravinhos suscitam interesse menor e clamor popular menos extremado, apesar da selvageria de seus atos. Suas chances de serem olhados como vítimas são nulas.