Título: Os helênicos
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 18/06/2006, Economia, p. 30

Heloísa Helena já ganhou. Pelo menos o título de fenômeno eleitoral da temporada. Liderando um partido que tem pouco mais de um ano, com sete deputados e ela de senadora, a alagoana aparece em todas as pesquisas com 6% a 8% das intenções de votos. Quem são esses ¿eleitores helênicos¿? A expressão é do cientista político Alexandre Marinis. Eles vêm de dois afluentes: os votos da esquerda ideológica e os votos de protesto.

Os helênicos, a esta altura, podem chegar a oito milhões de eleitores. Isso é mais do que os votos recebidos por Álvaro Uribe para se reeleger na Colômbia. Heloísa Helena pode crescer capturando gente que hoje ainda pensa em votar branco ou nulo, acredita Marinis.

¿ Quando se abre o grupo dos votos brancos e nulos, vê-se que são os que têm escolaridade maior. É onde ela pode crescer ¿ diz.

O mesmo fenômeno que levava eleitores das classes média e alta a votar no Lula na época em que ele dizia ser contra ¿tudo isso que está aí¿ pode engrossar agora os eleitores de Heloísa Helena. No Rio de Janeiro, por exemplo, esse eleitor de protesto geralmente não tem nenhuma das crenças do seu candidato, mas reage apenas com a idéia difusa de estar sendo moderno e rebelde.

O sociólogo Marcos Coimbra, do Vox Populi, acha que há mais fatos explicando o fenômeno eleitoral:

¿ Há o eleitor de esquerda tradicional, que sempre votou em Lula e está decepcionado. Esse voto ideológico sempre foi 20% dos votos que Lula tem em todas as eleições (30% do eleitorado). Isso dá 5% a 6% do total dos votos. Há o colégio local que, no caso dela, é pequeno; o estado de Alagoas. Mas há um pouco de influência nos colégios vizinhos, como Sergipe e Pernambuco. Nesses estados, ela pode chegar até a 9%. O outro fato é que ela é a única candidata mulher.

Na época da pré-candidatura de Roseana Sarney, viu-se como é forte este espaço favorecendo a mulher.

O problema da senadora é que os ¿helênicos¿ estão divididos. Se ela fizer um discurso muito radical, agrada aos mais ideológicos, mas confirma um estereótipo que pode afastar outros eleitores. Para atrair o voto que recebe por ser mulher, teria que explorar mais o lado família, que nunca foi seu estilo. Há contradições no seu eleitorado.

Mas o pior problema, sobre o que todos os especialistas concordam, é que ela tem um tempo mínimo de televisão. Fica só com a parte da divisão paritária do tempo. Da parte que é dividida conforme o tamanho da bancada no começo da legislatura, ela não tem nada, porque o PSOL nem existia.

¿ Minha impressão é de que se ela conseguisse mais tempo de televisão talvez ultrapassasse sua dimensão atual, mas se ficar embolada com os microcandidatos vai atingir apenas aquele eleitor mais bem informado ¿ analisa Coimbra.

Carlos Augusto Montenegro, do Ibope, diz que Heloísa Helena se beneficiou diretamente da crise política que atingiu Lula:

¿ Se não tivesse havido a crise, a maioria dos eleitores de Heloísa Helena estaria com o Lula.

Alexandre Marinis conta que os eleitores da candidata, segundo a última pesquisa CNI-Ibope, são basicamente de classe média e de maior escolaridade.

¿ Na simulação central de primeiro turno, Heloísa Helena teve 6% dos votos. Entre os eleitores com escolaridade superior, teve 13%. Entre os de classe média, 10%. Há uma maior probabilidade de encontrarmos eleitores dela entre mulheres jovens, de maiores renda e escolaridade, que residam nas regiões metropolitanas das grandes cidades e que avaliem como ruim ou péssima a administração do presidente Lula ¿ comenta Marinis.

Mas, ao contrário dos eleitores de Geraldo Alckmin, os de Heloísa Helena acham que o governo Lula é melhor do que o de FHC. Só 19% dos eleitores dela acreditam que o de Lula é um governo pior.

¿ Outra distinção importante é que os eleitores helênicos não estão desempregados e têm menos medo de perder o emprego do que os eleitores de Alckmin. Isso corrobora a idéia de que uma grande parte desses eleitores são funcionários públicos que estão frustrados com Lula ¿ analisa Alexandre Marinis.

Outros fatos ressaltados por ele: no segundo turno de 2002, 62% dos eleitores dela votaram em Lula e 23% em Serra. Entre os eleitores de Heloísa Helena, 24% mencionaram espontaneamente as acusações de corrupção/mensalão como uma das principais notícias que saíram na imprensa ultimamente.

¿ Heloísa Helena pode ser um fenômeno como Helena de Tróia. Da mesma forma que o rapto de Helena (espartana como Heloísa) levou à guerra de Tróia, a eleição pode levar os dois, Lula e Alckmin, a disputarem os eleitores dela ¿ diz Marinis, encontrando paralelos gregos na candidata alagoana.

A senadora tem várias qualidades que estão sendo procuradas no mercado político atualmente. Ela sustenta a idéia de que não está se comprometendo com o establishment, mesmo pertencendo a ele; que é oposição ao governo Lula, mesmo tendo vestido vermelho em sua posse pela qual tanto trabalhou; ela se apresenta como defensora dos mais pobres, mesmo tendo brigado com o PT em defesa das maiores aposentadorias. Com seus 13% no Rio, 6% no Brasil, ou até 8% em algumas medidas, Heloísa Helena, com seu partido pequeno e recente, é um fenômeno eleitoral e mostra como o país precisava de uma novidade nesta eleição. Com a cláusula de barreira, no entanto, pode morrer na praia.