Título: NOVO RETIRANTE É JOVEM DE BOA SAÚDE
Autor: Leticia Lins
Fonte: O Globo, 18/06/2006, Economia, p. 30

Falta de acesso à terra e seca levam à migração para outros estados

CAMPOS DOS GOYTACAZES. Falta de acesso à terra, pouca oportunidade de trabalho e a seca estão entre as causas da migração que provoca o esvaziamento temporário de cidades inteiras do Nordeste. Raimundo Nonato, no sertão do Piauí, ou Timbiras, no Maranhão, ficam sem a maioria de seus homens jovens durante o período de safra no Centro-Sul, que este ano começou em março.

Esta é uma das conclusões do estudo que está sendo realizado por quatro universidades federais (Maranhão, Piauí, São Carlos e Rio) em cidades de origem e de destino desses trabalhadores. O resultado será transformado em livro e videodocumentário até o fim do ano, informa o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro José Roberto Novais.

Ônibus partem lotados de trabalhadores

Em Raimundo Nonato, as mulheres criaram a Associação de Mulheres Produtoras Rurais por causa da saída dos homens para o corte da cana. Pesquisa em Timbiras mostrou que 63% das 114 famílias entrevistadas tinham algum membro trabalhando fora do município, a maioria na agroindústria da cana.

O novo retirante é quase sempre homem (84%), jovem (20 a 29 anos), de boa saúde e acostumado ao trabalho com enxada e sob o calor do Nordeste. Ele passou a ser disputado pelas empresas e por arregimentadores, os ¿gatos¿. Vez por outra, caem em redes de mobilização de trabalho escravo, revela estudo do professor Marcelo Sampaio Carneiro, da Universidade Federal de São Carlos.

A mobilização é feita pelo contato boca-a-boca e por anúncios em rádios locais, diz Edilásio Manhães Tavares, coordenador da mão-de-obra agrícola da Usina Santa Cruz, de Campos. Entre os dias 17 e 25 de abril, Tavares selecionou 196 pessoas de Santo Amaro da Purificação, Terra Nova, São Sebastião do Passe e Nazaré de Jacuípe, na Bahia, e saiu de lá com cinco ônibus lotados de trabalhadores.

O ¿gato¿ Cícero Expedito Pereira aumentou de 75 para 258, da safra passada para esta, o número de cortadores trazidos do Nordeste para o Rio. Ele evita falar do negócio, proibido pelo Ministério do Trabalho, que considera tráfico de pessoas os deslocamentos de trabalhadores entre regiões, sem contrato de trabalho assinado:

¿ O Nordeste é um lugar sofrido. Tem que procurar alternativa ¿ justifica.

Os retirantes saem de suas cidades por um piso salarial de R$351 no Rio (R$410 em São Paulo), mas ganham por produtividade. A maioria é formada por pequenos agricultores que trabalham em terra arrendada e pagam caro por isso. Assim, o objetivo da maioria é juntar dinheiro para comprar uma casa ou um terreno.

¿ Vou ficar até dezembro, para comprar uma casa ¿ afirma Sivaldo Serra de Jesus, 25 anos, depois de cortar mais de seis toneladas de cana num dia, para ganhar R$39.

O aumento da migração tem levado o Ministério do Trabalho a intensificar a fiscalização. E fez com que as empresas melhorassem as condições de trabalho. Usinas como a Santa Cruz, que já foi flagrada com trabalhadores em situação análoga ao trabalho escravo, construíram novos alojamentos.

¿ Tenho saudades de casa, da carne-de-sol ¿ diz o baiano Valdir dos Santos, de Nova Itarama, que ainda não conhece a filha, de menos de um mês.