Título: UM NOVO VELHO PAÍS
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 18/06/2006, O Mundo, p. 34

Montenegrinos vêem em sua independência da Sérvia esperança de uma vida próspera na UE

Milika Ivanovic, 26 anos, estudante de piano da Academia de Música de Montenegro, virou a noite celebrando nas ruas de Cetinje, no mês passado. Era tanta gente que os bares anunciavam o fim das bebidas em apenas algumas horas. Montenegro havia proclamado sua independência da Sérvia, num referendo, tornando-se a última república das seis que formavam a antiga Iugoslávia (Croácia, Eslovênia, Macedônia, Bósnia-Hezergovina, Sérvia e Montenegro) a livrar-se do poderio e domínio de Belgrado, capital da Sérvia. Era enterrado ali, o último rastro da Iugoslávia nos Balcãs.

¿ Esta independência, para mim, é muito importante. Se continuássemos junto com os sérvios, talvez, em 10 anos, estaríamos nos detestando, como croatas, sérvios e bósnios se detestaram. Tenho família na Sérvia, e amo a Sérvia. Mas vamos nos respeitar mais agora, separados ¿ disse Ivanovic, que sonha com Montenegro como uma espécia de Malta, país minúsculo, mas membro próspero e estável da União Européia.

Até 1918 ¿ quando este país com a mesma população de Santo André, em São Paulo (650 mil habitantes), de beleza deslumbrante, à beira do Mar Adriático, perdeu sua independência e foi incorporado pelo então reino da Sérvia ¿- Cetinje era o centro secular e religioso dos montenegrinos. E não foi à toa que Ivanovic, que é da capital, ficou lá para celebrar. Cetinje foi a terceira cidade de Montenegro com o maior percentual de votos a favor da independência: 86,4%. É o berço, também, da Igreja Ordodoxa montenegrina, mais tolerante, que questiona o poderio da Igreja Ordodoxa sérvia, extremamente nacionalista.

Uma prova para o premier Djukanovic

A poucos quilômetros dali, enquanto Ivanovic comemorava, em Herceg-Novi, outra cidade de Montenegro, à beira do Adriático, a jornalista Vitka Vujnovic, de etnia sérvia, enviava para Belgrado seu artigo anunciando o que, para ela, foi um trágico resultado:

¿ Enviei um artigo objetivo. Mas quando cheguei em casa, chorei. Tanto quanto chorei com o fim da Iugoslávia. Meu país tinha seis repúblicas. Depois passou para duas repúblicas. E agora só tem uma ¿ disse.

Não chorou sozinha. Herceg-Novi, onde moram muitos montenegrinos de etnia sérvia, foi a única cidade da costa que votou majoritariamente pela manutenção da união com a Sérvia: 61,3%. Nos Bálcãs, nada é simples. A independência de Montenegro foi conquistada com 55,4% de votos à favor e 44,6% contra. Ou seja, com um grande número contra. E um dos motivos disso é que o país tem várias etnias: 43% são montenegrinos; 32%, sérvios; 14%, eslavos muçulmanos (bósnios); e 6%, albaneses. E os sérvios, na sua maioria, votaram contra a independência.

O assunto é tão delicado que nem o famoso cineasta Emir Kusturica ¿ muçulmano nascido em Sarajevo, na Bósnia, mas que tem nacionalidade montenegrina e família de origem eslávica ortodoxa ¿ quer falar no assunto. Sentado num barzinho em Herceg-Novi, ele disse que não havia votado no referendo, e pediu:

¿ Você gosta dos meus filmes? Então, entenda que é difícil para mim falar sobre isso. Sou amigo do primeiro-ministro (Milo Djukanovic), mas também das autoridades em Belgrado.

Belgrado, capital da Sérvia, ditou a vida e a política de Montenegro durante anos. Quando o líder nacionalista sérvio Slobodan Milosevic caiu e a República Federal da Iugoslávia foi dissolvida, Montenegro foi forçado a fazer a união conhecida como Sérvia e Montenegro, em 2002. O acordo previa um referendo sobre a independência de Montenegro. Mas Sérvia e Montenegro, historicamente, têm laços fortes. Não apenas falam a mesma língua e têm a mesma religião ¿ ortodoxa ¿ como ao longo de anos partilharam os mesmos ideais e culturas.

Montenegro participou, juntamente com o Exército sérvio, da destruição e de massacres em Croácia e Bósnia-Herzegovina, nos anos 90. Mas saiu-se com uma imagem relativamente limpa porque começou a questionar o domínio da Sérvia na hora certa. Foi quando um jovem político montenegrino de 1,90m de altura, o economista Milo Djukanovic ¿ atual premier e ex-aliado de Milosevic ¿ ousou desafiar abertamente o líder sérvio, em 1997.

Para alguns montenegrinos, o voto da independência foi também uma forma de dar um xeque-mate em Djukanovic, que tem se perpetuado no poder, graças, em parte, à campanha pela independência. Blsa e Zoran, irmãos gêmeos de Cetinje, se queixam do desemprego. Para eles, a independência vai acabar com as desculpas do governo para não resolver isso. Blsa, que trabalha no comércio, diz:

¿ Se este governo for embora, haverá mais chances. Mas se ele continuar, vamos ficar pior. Nós votamos pela independência porque queremos um Estado. Não por Djukanovic.