Título: BEM-VINDO A BORDO, BRASIL
Autor: SÉRGIO MACHADO
Fonte: O Globo, 19/06/2006, Opinião, p. 7

Oano que marca a auto-suficiência na produção de petróleo é um bom momento para o Brasil repensar a sua matriz de transportes. Da mesma forma que o coração precisa de veias para que o sangue se distribua pelo corpo, um Brasil auto-suficiente precisa das artérias ¿ seus navios e dutos ¿ para que o combustível chegue a todas as partes e movimente a máquina do crescimento. A operação de logística realizada pela Transpetro para levar o combustível retirado de águas profundas até as estações de armazenamento é um exemplo de eficiência no transporte marítimo de cargas. Mas representa uma porcentagem relativamente pequena da movimentação total de mercadorias no país. É hora de criar novos paradigmas.

Devido a decisões políticas do passado, a malha brasileira está concentrada nas rodovias. Discutir essa matriz é fundamental num país onde o transporte ferroviário detém 20% da movimentação de produtos, o aquaviário 13% e o dutoviário 4%, contra 62% do transporte rodoviário. O resto é transporte aéreo. Nos Estados Unidos, a proporção é de 50% de produtos movimentados por ferrovias, 25% por rodovias e 20% por transporte aquaviário.

Essa é a razão de termos no Brasil um custo de logística equivalente a 16% do Produto Interno Bruto (PIB), soma das riquezas produzidas no país, enquanto na Europa esse custo oscila entre 11% e 12% do PIB e nos Estados Unidos é de apenas 9,8%. Hoje, a logística é um dos fatores que determinam a competitividade de um país. Logística mais cara é sinônimo de perda de competitividade. Desde que o homem produziu excedentes teve na logística um diferencial estratégico para colocar seus produtos no mercado. Afinal, o que agrega valor a um produto não é fabricá-lo, mas colocá-lo em movimento, fazer com que chegue até o consumidor.

Daí a importância do programa da Transpetro para modernizar e aumentar sua frota. A licitação para construção de 26 navios-petroleiros ¿ de um total de 42 embarcações previstas ¿ está em fase final e, depois de quase 20 longos anos de estagnação, a indústria naval de grande porte vai ter nova chance de ressurgir e movimentar a economia. Apenas nessa primeira fase do programa serão gerados 22 mil novos empregos diretos e indiretos.

O Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro foi exaustivamente discutido com os vários setores da sociedade: trabalhadores e empresários dos setores metalúrgico, siderúrgico e marítimo, a academia, governos estaduais e o governo. Trabalhamos com bases sólidas e premissas muito bem definidas: fabricar navios no Brasil, para que gerem emprego e renda dentro do país, com um índice de nacionalização de 65%, de forma a permitir a expansão de uma ampla cadeia produtiva de peças e componentes de navios. E que essas embarcações sejam competitivas em nível internacional, no que se refere a preço.

Ter frota própria não é um luxo, mas, acima de tudo, uma visão estratégica, uma necessidade para o Brasil. Basta lembrar que 95% do comércio internacional do país dependem de navios. Com uma frota nacional reduzida, o país fica dependente da utilização de embarcações de bandeiras estrangeiras para manter relações comerciais com as outras nações. Quanto menor a frota própria, maior o número de navios de terceiros que somos obrigados a contratar e, logo, maior a perda de divisas com despesas em moeda estrangeira, que vão para os armadores do exterior. Gastamos US$10 bilhões por ano com transporte marítimo, mas menos de 4% desse valor são para pagar pela utilização de navios nacionais.

A indústria naval é um grande gerador de riquezas e empregos em vários países. Em 2005, foram construídos 1.356 navios e movimentados mais de US$70 bilhões com este setor em todo o mundo. O Brasil não pode ficar de fora deste mercado. Já foi o segundo maior fabricante de grandes navios do mundo, mas parou na segunda geração de estaleiros, enquanto o mercado internacional evoluiu e, hoje, está passando da quarta para a quinta geração. Preocupada em revitalizar a indústria a partir da realidade econômica brasileira, a Transpetro fez um estudo detalhado de toda a indústria naval brasileira e mundial e identificou os gargalos nacionais: a falta de ferramentas adequadas para utilizar o potencial de produtividade da mão-de-obra brasileira em sua plenitude, o fornecimento de preços e equipamentos (como aço, motores, etc.) e a tecnologia.

Para o último, por exemplo, a Transpetro estruturou um programa de apoio tecnológico, por meio de convênio com o Ministério da Ciência e Tecnologia, via Finep, e o Centro de Excelência em Engenharia Naval e Oceânica, estruturado a partir da ligação entre IPT, Coppe, Petrobras e USP.

Não faltam pilares sólidos para o soerguimento da indústria de navios. Reativar a indústria da construção de navios de grande porte trará um forte efeito multiplicador na economia. O Brasil será capaz de suprir a demanda interna por navios, com preços competitivos internacionalmente, o que criará um novo mercado exportador para o país. A construção dessas embarcações também gera encomendas para diversos outros setores. Um navio é composto de mais de dois mil itens e os efeitos dessa demanda se multiplicarão também pela indústria de fornecedores, gerando novos postos de trabalho.

Esse é um jogo para ser vencido no coletivo. Trabalhadores, empresários, estaleiros, indústria de navipeças e siderúrgica, a academia, governos estaduais e o federal, todos farão sua parte. Vencidos os gargalos teremos, em bem pouco tempo, uma indústria naval em condições de competir com os maiores estaleiros do mundo. Ao lado do incremento do transporte ferroviário, esse é um passo importante para alterar a atual matriz de transporte que, ao encarecer o escoamento da produção, freia o desenvolvimento do país. A auto-suficiência é uma conquista que nos coloca no caminho do crescimento, mas exige uma mudança de paradigmas. Não podemos desperdiçar essa chance.

SÉRGIO MACHADO é presidente da Transpetro.