Título: Em meio à ventania
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 20/06/2006, Economia, p. 28

Estes são realmente tempos de incerteza na economia mundial. Mas, para o Banco Dresdner, o Brasil é dos países emergentes mais preparados para enfrentá-los; não só pela melhoria dos seus fundamentos e pelas reservas que juntou, mas porque, diferentemente da maioria dos outros países, que estão começando um processo de aperto monetário, o Brasil continuará sua trajetória de queda.

É bem verdade que continuaremos com juros muito altos, dos maiores, mas daqui a algum tempo, poderemos estar com taxas mais baixas que Rússia e Turquia.

Olhar as previsões para o Brasil na comparação com outros países do grupo (econômico, não de futebol!) traz notícias interessantes. Sobre o crescimento, por exemplo, sempre se diz que a conta dos emergentes está ¿inflacionada¿ pelo supercrescimento da Chiníndia (novo apelido do mercado para os gigantes asiáticos China e Índia). Pelos números do banco, no ano passado e neste, seremos os com menor aumento do PIB. Para 2007, a estimativa é de que o Brasil ainda seja o terceiro pior. Vendo caso a caso a previsão de 2006 para os países do Leste da Europa, eles têm um crescimento superior ao dos latino-americanos. O que acontece é que aqui a Argentina continua crescendo muito (a previsão é de 7,2% para eles, contra 3,7% do Brasil) e a Venezuela, com suas enormes reservas de petróleo, 9,7%. Junto a nós, apenas o México.

¿ Mas acho que o Brasil está muito melhor hoje; crescendo de maneira um pouco mais sustentável. Enquanto o mundo inteiro sobe os juros, como o Chile, a Colômbia, a Turquia, o Banco Central brasileiro está cortando ¿ diz Nuno Câmara, do Dresdner.

Para ele, o Brasil e alguns outros países vêm fazendo o ¿dever de casa¿ desde 2000, depois das crises asiáticas. Deixaram de ter déficit em conta corrente e melhoraram o perfil de suas dívidas, o que ajuda na hora de enfrentar um ambiente mundial mais hostil. Hoje o Brasil não tem um risco tão grande como na crise de 2002, quando os investidores internacionais começaram a ir embora, aumentando a cotação do dólar e a inflação. Agora o país tem o tal ¿colchão de dólares¿.

¿ Antes não se sabia onde uma crise iria parar, hoje o investidor estrangeiro está se sentindo mais seguro em relação ao Brasil. Tem entrado muito dólar pela balança comercial e saído pouco para pagamento de dívidas ¿ comenta Câmara.

Se alguns países da América Latina têm tentado fazer o tal ¿dever¿, o mesmo não pode se dizer dos do Leste da Europa, como Polônia, Hungria e República Tcheca, e da Turquia. Os quatro apresentam um déficit em conta corrente alto ¿ que pode aumentar este ano. Em 2006, a Polônia deve fechar com 2% do PIB de déficit; Hungria, 8,4% e República Tcheca, 2,2%. A Turquia pode chegar aos 7,1%. Eles têm déficit fiscal alto também. Uma das explicações seria o alto endividamento no esforço para entrar na União Européia ou mesmo sua recente chegada ao capitalismo (no caso dos comunistas). Mas lá há uma segurança que não existe na América Latina; a política.

¿ O próprio incentivo de estar na União Européia põe rédeas nas incertezas das eleições.

Nuno Câmara acredita que a eleição no Brasil não vai significar nenhuma alteração forte no quadro porque ¿está mais fácil de precificar¿. Já no México ¿ cujo mercado vem enfrentando bastante volatilidade ¿ a situação é mais complicada. Lá eles ¿têm o elemento surpresa, ou seja, a indefinição numa eleição, que o Brasil não tem¿, diz.

A boa notícia que o economista manda de Nova York é que os investidores continuam interessados no Brasil. A má notícia: estão muito preocupados com a volatilidade internacional.

¿ Quanto menor a liquidez, menos complacente é o mercado e ele vai exigir uma economia sólida para manter seus investimentos. O Brasil tem um problema fiscal estrutural, que vem piorando muito. Já é esperado que nenhum governo faça reformas num ano eleitoral; é assim no mundo inteiro, mas depois serão necessárias propostas com novas reformas fiscais para o país.