Título: REGIONALISMO
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 21/06/2006, O País, p. 4

Por razões diversas, tanto Lula, o candidato favorito, quanto seu principal adversário, o ex-governador Geraldo Alckmin, estão com dificuldades para montar coligações partidárias. Apesar de amplamente favorito, Lula corre risco de concorrer à reeleição apoiado apenas pelo PT e, quem sabe, pelo minúsculo PRB do ex-bispo Carlos Rodrigues, assim mesmo porque vai ter que engolir novamente como companheiro de chapa o atual vice-presidente José Alencar.

Muito por causa da intransigência petista, e um pouco pelas cláusulas de barreira que entram em vigor nesta eleição, PSB e PCdoB, parceiros tradicionais nas campanhas presidenciais de Lula, resistem em lhe dar apoio formal.

Do lado de Alckmin, a intransigência do PSDB em alguns estados, especialmente no Rio de Janeiro, impossibilitou que o PPS se unisse à coligação nacional com o PFL. Somando-se a todas essas dificuldades, a interpretação da verticalização que, por pressões políticas, acabou prevalecendo, transformou as coligações partidárias em verdadeiro samba do político doido, tirando qualquer resquício de coerência do quadro partidário.

Na prática, Lula perderá um tempo precioso de rádio e TV na propaganda eleitoral gratuita que começa em 15 de agosto. Apoiado praticamente só pelo PT, pois o PRB tem um espaço mínimo, o tempo da propaganda do presidente será de pouco mais de cinco minutos, quase a metade do que Alckmin terá, de pouco mais de nove minutos, que poderia chegar a dez minutos com a adesão formal do PPS.

Essa divisão de tempo de TV parece ser a única vantagem palpável até agora da candidatura Alckmim sobre a de Lula, mas se a tese do tucano estiver correta, será uma vantagem ponderável, já que a campanha eleitoral começa, segundo ele, ¿quando muda o horário da novela¿.

As divergências regionais afastam o apoio formal do PCdoB e do PSB, mas não impedem o apoio a Lula. Para o governo do Distrito Federal, o PCdoB queria o apoio do PT à candidatura do ex-ministro dos Esportes Agnelo Queiroz, mas o PT lançou a deputada Arlete Sampaio. Em Tocantins, o PCdoB lançou o senador Leomar Quintanilha, mas o PT, mesmo sem candidato competitivo, apóia a reeleição do governador Marcelo Miranda (PMDB).

No Ceará, onde PT e PCdoB defendem a candidatura a governador de Cid Gomes (PSB), irmão do ex-ministro Ciro Gomes, o PCdoB queria a vaga de senador para o deputado Inácio Arruda, mas o PT prefere apoiar o ex-ministro das Comunicações Eunício Oliveira, do PMDB.

Sem citar a situação peculiar do senador Tasso Jereissati, presidente nacional do PSDB, acusado pelo prefeito Cesar Maia de estar apoiando a família Gomes, devido à sua amizade suprapartidária com Ciro.

Também o presidente do PSB, deputado Eduardo Campos (PE), foi traído pelo PT, e desta vez com o apoio de Lula, que pediu ao presidente da CNI, Armando Monteiro (PTB), que renunciasse em favor do candidato petista Humberto Costa. Porém, o favoritismo de Lula não parece ameaçado pelos acordos regionais, pois a maioria dos partidos se mostra mais atraída pela sua probabilidade de vitória do que pelas chances do candidato tucano.

Também as brigas internas entre PSDB e PFL impedem que a campanha de Alckmin se organize, e no momento sua principal tarefa é tentar aparar as arestas dentro de sua própria coligação. O PSDB parece mais interessado em fortalecer sua bancada federal do que em abrir mão de candidaturas próprias para facilitar coligações regionais.

O PFL se queixa da intransigência do PSDB no Rio, onde desistiu de lançar candidato para apoiar a deputada Denise Frossard, do PPS. O PSDB se recusou a aderir à aliança, e lançou o secretário-geral do partido, deputado Eduardo Paes, adversário político de Cesar Maia, do PFL. Também no Sul, onde a situação de Alckmin é melhor em relação a Lula, há dificuldades para armar os palanques.

No Sul, o governador Germano Rigotto (PMDB) quer que os tucanos retirem a candidatura da deputada federal Yeda Crusius. No Paraná, o governador Roberto Requião fechou acordo regional com o PSDB, mas vai apoiar Lula para presidente. Em Santa Catarina, o governador Luiz Henrique deve apoiar Alckmin, em retaliação ao PT local.

O caso de São Paulo parece favorecer Alckmin. Seu prestígio teria voltado a crescer após ter caído devido à crise na segurança pública. Orestes Quércia parece próximo de apoiar a candidatura ao governo de José Serra, o que levaria o PMDB paulista aos braços de Alckmim. Também o PTB paulista decidiu apoiar Alckmin, depois de fechar acordo com Serra.

Nesse festival de incoerências em que se transformou a eleição, o PTB liberou seus diretórios regionais e tudo indica que os do Norte-Nordeste apoiarão Lula, e os do Sul, Alckmin.

No Rio, o movimento é inverso: petistas abandonam a candidatura oficial de Vladimir Palmeira para fechar acordos informais com o candidato do PMDB, Sérgio Cabral, apoiado pelo grupo de Garotinho, inimigo figadal de Lula e do PT.

Apesar da pressão de Garotinho, que quer dar o palanque no Rio para Alckmin, o candidato do PMDB tenta não apoiar nenhum dos candidatos a presidente para não perder o apoio do PT e, mais tarde, do próprio Lula.

Os interesses regionais já transformaram inimigos ferrenhos em aliados, como na Bahia, onde o até recentemente oposicionista do PMDB Geddel Vieira Lima virou governista para combater o grupo de Antonio Carlos Magalhães. Ou em adversários menos ardorosos, como o senador Arthur Virgilio, do PSDB, que é muito mais virulento contra o governo nos discursos no plenário do Senado do que na campanha eleitoral no Amazonas, onde é candidato a governador e Lula tem ampla maioria de apoio.