Título: Cadê o dinheiro da educação e da saúde?
Autor: CARLOS MINC
Fonte: O Globo, 23/06/2006, Opinião, p. 7

Ocidadão-eleitor liga a TV e se enoja com o corporativismo e com a corrupção presentes nos parlamentos: vantagens em causa própria, emendas suga-sangue, anistia para os sérios desvios de seus pares, tudo o horroriza. O parlamento é como um espelho invertido que retrata de forma grotesca e com lentes de aumento a cultura individualista, egoísta e permissiva dominante na sociedade.

A visão que trata o povo como uma criança pura e o parlamento como a personificação do mal absoluto peca por um maniqueísmo primário ¿ como se não houvesse vasos comunicantes entre representantes e representados.

É verdade que a atuação vergonhosa de muitos parlamentares reforça a simplificação expressa pelo senso comum. Este, curiosamente, não condena fortemente o sujeito que oferece uma vantagem ao gerente que consegue emprego para seu filho, nem o profissional liberal que oferece desconto se não for exigido recibo pelo pagamento do serviço (a sonegação também é vista como uma resistência aos impostos asfixiantes), tampouco execra quem paga a cervejinha ao guarda que esquece a multa ou quem vota no candidato que o atende em seu centro social (vários alimentados com recursos subtraídos da saúde pública).

Depois não se reconhece em seus representantes, flagrados na telinha, qu,e imbuídos do poder que os eleitores lhes outorgaram, obtém vantagens ilícitas com talento inusitado e espantosa criatividade (ah, se esta fosse usada para enfrentar a exclusão, as poluições, as burocracias, os impostos, a impunidade, que maravilha seria nosso país...).

A maior parte do eleitorado até esquece em quem votou: alienação ou mecanismo freudiano de autodefesa? Esta maioria excluída vota em quem oferece vantagem imediata, cimento, roupa, muleta, ligadura de trompas, vaga em escola. Estes eleitos geralmente cumprem as promessas, mas vendem a alma a interesses inconfessáveis, favorecem cartéis, acobertam liberação de recursos milionários sem licitações, privatizações vergonhosas com majoração dos preços, e a conseqüência é que os recursos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da educação se evaporam, assim como os da despoluição da baía de Sepetiba e do rio Paraíba do Sul.

O eleitor fica com o saco de cimento e sem educação e saúde pública e seus filhos ficam doentes com a água contaminada. Uma revolução cultural é a saída para este labirinto, incluindo reforma política radical, fidelidade partidária, voto em legenda, fim do voto obrigatório, acesso geral à educação de qualidade, transparência da política e da execução orçamentária e superação progressiva dos valores mesquinhos que absorvemos no cotidiano e que nos indignam quando são praticados (com maligna maestria) pelos representantes que elegemos.

CARLOS MINC é deputado estadual (PT-RJ).