Título: Justiça cancela leilão da Varig
Autor: Erica Ribeiro, Geralda Doca e Henrique Gomes Batis
Fonte: O Globo, 24/06/2006, Economia, p. 25

Comprador não faz pagamento. Proposta da VarigLog será analisada no fim de semana

AJustiça do Rio cancelou a venda da Varig para o consórcio NV Participações, formado por representantes dos trabalhadores. A decisão foi anunciada momentos depois de o coordenador da associação Trabalhadores do Grupo Varig (TGV), Marcio Marsillac, informar que a NV não conseguiu recursos com investidores para depositar ontem os US$75 milhões da primeira parcela de compra da Varig no leilão do dia 8. Com a desclassificação da NV, a proposta da VarigLog surge como a alternativa de continuidade da Varig. Mas tudo dependerá da posição da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que ainda precisa aprovar a própria venda da ex-subsidiária da Varig para a Volo Brasil, formada pelo fundo americano Matlin Patterson e por investidores brasileiros.

A VarigLog estaria disposta a investir US$500 milhões na Varig, com a injeção imediata de US$20 milhões na companhia para garantir a operação até a realização de um novo leilão. Para que a proposta da VarigLog possa ser validada é necessária a análise dos documentos pelo Ministério Público estadual do Rio e pelos administradores judiciais (a consultoria Deloitte). Segundo o juiz Luiz Roberto Ayoub, da 8ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio ¿ que conduz o processo de recuperação judicial da Varig ¿ durante o fim de semana estes documentos serão analisados e na segunda-feira haverá um parecer.

O futuro da Varig será decidido na próxima semana, a partir de três alternativas: um novo leilão, se for uma proposta já aceita pelos credores; a convocação de uma assembléia para avaliar novas propostas; ou a falência. A falência, no entanto, tem sido repetidas vezes descartada pela Justiça ¿ Ayoub afirmou essa discussão teria de ser provocada por um pedido de credores, o que, segundo ele, não aconteceu.

Proposta não anima credores públicos

A ex-subsidiária da Varig já havia feito uma proposta, dois meses antes do leilão. Segundo Ayoub, se a proposta for semelhante à anterior, há possibilidade de não haver assembléia de credores, mas nunca uma venda direta, sem leilão.

O presidente da Varig, Marcelo Bottini, afirmou ontem que a VarigLog já está negociando com empresas de leasing e que ¿a bola¿ está com o governo, especificamente com a Anac. Mas a proposta da VarigLog não animou os credores públicos. A tendência é que Infraero, Banco do Brasil e BR Distribuidora rejeitem a oferta, revelou um integrante do governo. Segundo essa fonte, apesar de a Volo ter entregado ontem documentos relativos à operação à Anac, os dados são inconsistentes. Efetuada em janeiro, a transação ainda não foi aprovada, diante de denúncias de irregularidade, como o repasse da VarigLog para mãos de estrangeiros ¿ a lei fixa um limite de 20% de capital externo em empresas do setor. A origem dos recursos da operação também não foi revelada.

Com isso, a oferta da VarigLog pela Varig não tem segurança jurídica. A ex-subsidiária pode até aportar os recursos prometidos, mas corre o risco de não assumir a Varig, o que não representa solução para a empresa aérea. Fontes do governo também revelam que há um racha na Anac. Enquanto o presidente do órgão, Milton Zuanazzi, defende a proposta, membros do Departamento Jurídico resistem, alegando descumprimento da lei.

Em nota divulgada logo após a decisão de Ayoub, a Anac fez apenas um breve comentário sobre o processo de venda da VarigLog para a Volo do Brasil. Segundo a agência, não há data para o pronunciamento final do órgão regulador. A Anac disse ainda que o órgão não tomou conhecimento da proposta que a VarigLog fez para comprar a Varig.

Essa divisão na Anac ganhou um novo ingrediente: representantes do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) se reuniram com diretores da agência e afirmaram que conseguiram a garantia de que vão obter pedido de vista de cinco dias no processo administrativo que analisa essa anuência. Se isso ocorrer, a Anac não poderá tomar qualquer decisão antes desse prazo.

¿ Temos a convicção de que cerca de 60% do capital da Volo têm origem no exterior e vamos até mesmo à Justiça tentar impedir essa venda ¿ disse Anchieta Hélcias, diretor de Relações Governamentais do Snea.

Ex-executivo da Varig estava com NV

Questionado sobre as razões de a Varig não ter aceitado a primeira proposta da VarigLog, Bottini disse que a oferta foi feita em outro momento e é diferente da atual. Mas voltou a alegar condições judiciais para não revelar o conteúdo. Ele não quis admitir a possibilidade de paralisação da Varig caso a Anac não aprove da venda da VarigLog para a Volo:

¿ Se a VarigLog não tiver o aval da Anac e não aparecer outro investidor, teremos dificuldade de operar depois de certo tempo. Hoje a Varig tem se valido do apoio dos credores para continuar operando com tranqüilidade. Há uma consciência de manter a Varig viva.

Ontem, o juiz do TJ Paulo Roberto Fragoso acabou revelando o nome dos investidores que o tempo todo foram mantidos em sigilo pela NV. Segundo ele, a autorização da venda da Varig ao consórcio, no dia 19, só aconteceu porque representantes do empresário José Carlos Rocha Lima, dono da Syn Logística e ex-presidente da VarigLog, foram ao TJ apresentar garantias:

¿ Segunda-feira estiveram no nosso gabinete pessoas que diziam representar Fontidec (grupo de investidores formado em Portugal) e Syn e apresentaram garantias de US$700 milhões. Essas pessoas disseram que não viam dificuldade em efetuar o depósito e foram advertidas pela importância do compromisso, e inexplicavelmente sequer estiveram aqui para nos dar qualquer explicação.

Marsillac chegou a dizer que um dos entraves para a negociação com os investidores foi a cobrança à NV de metade dos US$75 milhões para pagar dívidas da Varig com o INSS.

Segundo o presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, a condução do processo por Ayoub não contribuiu para melhorar a situação da Varig. Além disso, a empresa continua vendendo passagens e cancelando vôos. A Varig disse que voou ontem com 31 aviões e que terá mais uma hoje.

As empresas de leasing não têm mais esperança de receber os US$300 milhões devidos pela Varig mas querem de volta os seus aviões o mais rapidamente possível. Os credores farão pressão máxima sobre o juiz americano Robert Drain na audiência marcada para quarta-feira.

¿ O juiz não vai dar mais tempo. Quem pedir vai poder tirar os aviões do Brasil ¿ disse um advogado que acompanha a longa batalha.

Ontem, funcionários da Varig fizeram mais uma manifestação em frente ao prédio da empresa. Bottini disse que os salários, que estão com dois meses de atraso, voltarão a ser pagos na segunda e na terça-feira.

COLABOROU Helena Celestino (correspondente)

BR GARANTE COMBUSTÍVEL ATÉ SEGUNDA-FEIRA, na página 26