Título: O partidão
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 25/06/2006, O GLOBO, p. 2

Não, não se trata do velho PCB. O aumentativo que excita a imaginação de alguns políticos refere-se a um projeto partidário ambicioso, que juntaria o PT, ou suas tendências social-democratas, quase todo o PMDB, um bom fragmento do PSDB e pequenos partidos de esquerda que não tenham conseguido vencer a cláusula de barreira. Neste eclético partido poderão estar, por exemplo, o ex-maoísta Moreira Franco e o czar da economia do regime militar, Delfim Netto.

Fala-se deste ¿partidão¿ como base de sustentação parlamentar sólida e estável para o presidente Lula num eventual segundo mandato. Seria um partido de centro-esquerda, estando no centro o bloco peemedebista e um fragmento tucano não-paulista, e na esquerda o PT, o PSB, o PCdoB e outros mais. Além de garantir a estabilidade política de um eventual segundo governo Lula, tal partido estaria destinado a ser um forte pólo de poder para o futuro, num quadro partidário já bastante enxuto por força da cláusula de barreira deste ano, que estimulará as fusões. Seus mentores acham ainda que o PFL acabará aglutinando setores conservadores de outros partidos para formar um também necessário partido de direita. E que, à esquerda, PSOL, PDT, PPS e petistas que não aceitarão o ¿partidão¿ se juntariam para formar um novo e mais forte partido de esquerda. Por tal desenho, chegaríamos a um quadro partidário bem mais racional, equilibrado e consistente. Lula, numa conversa com jornalistas em 2004, também defendeu uma estrutura partidária parecida, destacando seu desejo de uma fusão PT-PSDB, projeto que a crise tornou praticamente impossível.

O ¿partidão¿ começaria a ser construído entre as eleições e o início do ano que vem, e seria hegemônico num eventual segundo governo de Lula, que já teria dado sinal verde. Para Lula, um grande partido como esse facilitaria seu projeto de fazer um segundo governo de redenção, no qual seria possível levar o país a um ciclo de forte crescimento com avanço da equidade social. Um governo que marcaria sua biografia, livrando-a dos estigmas deixados pelos escândalos do PT.

É no PMDB, que Lula tanto se empenhou para ter como aliado, ainda que informal, que se encontram os maiores entusiastas da idéia. Além da sociedade no futuro governo, o partido teria ainda um futuro a ganhar. Parecem esgotadas as chances de o partido alcançar a unidade necessária e se tornar portador de um projeto para o país.

Entre os tucanos não se encontra ninguém comprometido com tal projeto mas os outros dizem que estariam no novo partido os não-paulistas liderados pelo governador de Minas, Aécio Neves, podendo este ser o candidato do ¿partidão¿ à sucessão de Lula em 2010. No dia 12 passado, Aécio declarou sonhar ¿com a possibilidade de uma grande construção política em torno de um projeto de desenvolvimento nacional do qual participem o PSDB, setores do PT e de outros partidos democráticos¿. Não mencionou o PFL. Cesar Maia deu aquela bronca.

E o PT, que acha disso? O que se nota ¿ e estava no ar ontem na convenção que lançou Lula candidato ¿ é um forte desejo de restauração da aura perdida, embora devam ser indeléveis as marcas dos escândalos. Muito forte também, nesta pré-campanha, a velha hegemonia petista, que leva o partido a disputar com os aliados até suplência de senador, como está acontecendo no Amazonas, onde o candidato das forças governistas ao Senado é o ex-ministro Alfredo Nascimento, do PL. PCdoB e PSB querem o posto e estão brigando por ele. Mas a discussão sobre o futuro existe no partido e não exclui a possibilidade de fundação de um outro partido.

Em artigo publicado em maio na revista ¿Margem Esquerda¿, Valter Pomar, secretário de Relações Internacionais do PT, analisando o futuro da esquerda, identificou três visões sobre o futuro do partido: ¿Há quem defenda que o PT deve concluir sua metamorfose num partido social-democrata de novo tipo, o que tornaria possível uma aliança sólida com o PSDB, ao estilo da ¿concertación¿ chilena. Há os que pensam que a metamorfose já se concluiu, existindo espaço para a construção de um novo ¿sujeito político¿ de esquerda e socialista. E existem os que lutam para deter e reverter a metamorfose, fazendo com que o PT (ou parte importante dele) sirva de base ao reagrupamento da esquerda e do campo democrático e popular.¿

Conclui ele que o desenlace dependerá muito de Lula ser reeleito, da relação entre o lulismo e o petismo e de como seja o eventual segundo mandato.

Se houver este mandato que as pesquisas hoje dizem ser provável, pode ser diferente em muita coisa mas nada indica uma ruptura com o tipo de política econômica praticada no primeiro. E quanto ao lulismo, as alianças informais de Lula, seu xodó pelo PMDB e sua nova base social (os mais pobres e menos instruídos) indicam um transbordamento do petismo. O lulismo estará mais confortável num partido mais amplo como este que hoje está sendo falado ainda aos sussurros. Uma empreitada ousada, mas muito complicada.