Título: CHINA E RÚSSIA CRIAM UMA ANTI-OTAN
Autor: GILBERTO SCOFIELD JR.
Fonte: O Globo, 25/06/2006, Opinião, p. 7

Em meados de junho, os líderes de China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Irã, Paquistão, Mongólia, Índia e Usbequistão se reuniram em Xangai para mais um encontro da Organização de Cooperação de Xangai (SCO, da sigla em inglês). Criada há cinco anos com o objetivo inicial de discutir assuntos de terrorismo, separatismo e fronteira no continente asiático, a SCO tem seis membros permanentes.

Irã, Paquistão, Mongólia e Índia são membros observadores (o Paquistão e o Irã já se preparam para ser membros plenos). E a Arábia Saudita já foi convidada a ingressar no grupo como observadora.

O presidente da China, Hu Jintao, foi logo avisando:

¿ a SCO está comprometida com a paz e a prosperidade da região asiática ¿ afirmou, ao fim do encontro de cinco dias.

Zhang Deguang, o secretário-executivo da organização, afirma que a SCO comemora cinco anos de vida disposta a ¿se firmar institucionalmente e encarar de forma mais pragmática a cooperação entre seus membros em áreas como comércio, finanças, tecnologia e serviços¿.

Acontece que os governos dos EUA e da União Européia ¿ especialmente o Pentágono e a cúpula da Otan ¿ não vêem com bons olhos o novo organismo. Para eles, o grupo quer mesmo é criar um grupo forte institucionalmente à margem da esfera de influência americana e de seus aliados.

Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o desmantelamento da antiga União Soviética, o chamado Pacto de Varsóvia, a antiga aliança militar que reunia países do Leste da Europa e os soviéticos, também não resistiu, sendo extinta em 1991. Desde então, o jogo de forças entre os países se alterou substancialmente, ainda que a Guerra Fria tenha se transformado em História.

O que os observadores europeus e americanos alegam agora é que russos e chineses querem criar um novo Pacto de Varsóvia, composto de países estratégicos econômica ou geopoliticamente e não alinhados com o Ocidente. Em editorial, o jornal russo ¿Pravda¿ define assim a situação:

¿A SCO cresceu muito nestes últimos cinco anos e é considerada uma organização criada para contrabalançar a influência dos EUA na região. Por isso a SCO é freqüentemente chamada de `antiocidental¿, `anti-Otan¿ e `antiamericana¿.¿

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, convidou os outros países a se unirem contra o Ocidente:

¿ Podemos transformar a SCO numa instituição forte e de influência econômica e política tanto em nível regional quanto internacional. E desafiar a ameaça das potências dominantes de usar a força contra outros países ou interferir em seus assuntos.

Ahmadinejad tem motivos de sobra para vociferar contra o Ocidente. Mas o presidente russo, Vladimir Putin, parece ter ambições igualmente grandes:

¿ A SCO pode ser um forte jogador global. Temos 3 bilhões de pessoas e isso faz diferença ¿ disse Putin, que pregou a união dos países contra ¿ameaças desconhecidas¿. ¿ As autoridades de defesa dos membros devem participar ativamente dos encontros.

Mas a China, mais conciliatória, vem negando que a SCO seja uma aliança militar, restringindo sua importância à esfera econômica:

¿ A SCO nunca procurou o confronto com nenhum bloco e não pretende se tornar uma aliança militar ¿ disse Zhang Deguang.

Num artigo publicado pela ONG Open Democracy, David Wall, pesquisador do Instituto de Estudos Orientais da Universidade de Cambridge, alega que a SCO é de fato o embrião de um grupo anti-Otan e os sintomas já podem ser vistos: todas as ex-repúblicas soviéticas pedem agora a retirada de tropas americanas dos seus territórios. E China e Rússia fizeram ano passado um inédito exercício militar conjunto contra ¿possíveis invasores externos¿.

¿A única coisa que os membros da SCO têm verdadeiramente em comum é um passado ou presente comunista e governos ditatoriais. Mas muitos interesses coincidem, especialmente a venda de armamentos entre China e Rússia e o desejo dos dois países de controlarem mutuamente suas influências sobre nações menores na região.¿

GILBERTO SCOFIELD JR. é jornalista.