Título: Fundef: dez anos sem melhorar a qualidade
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 25/06/2006, O País, p. 14

Fundo movimentou mais de R$175 bilhões mas não conseguiu reduzir as desigualdades regionais na educação

BRASÍLIA. Criado em 1996 para aumentar os investimentos públicos na educação de 1ª a 8ª série, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) foi incapaz de reverter desigualdades regionais, apesar do mecanismo que previa pesados investimentos do governo federal. De 1998 ¿ quando efetivamente entrou em operação ¿ até o ano passado, o Fundef já movimentou mais de R$175 bilhões, dos quais menos de R$4 bilhões (2%) corresponderam a repasses da União. Nesse período, cresceu a distância entre os estados mais pobres, em especial no Nordeste, e o resto do país. Este ano, o último de funcionamento ¿ o Fundef foi criado com prazo de validade de dez anos ¿ o fundo do ensino fundamental deixa avanços quantitativos, como a matrícula de 97% das crianças de 7 a 14 anos na escola. Mas pouco a comemorar em termos de melhoria da qualidade do ensino.

Em 1998, oito estados estavam abaixo do piso nacional ¿ valor mínimo de investimento por aluno fixado pela Presidência da República ¿ e tinham direito a ajuda do governo federal. Em 2005, eles continuavam sendo os estados com mais baixos investimentos por aluno, embora apenas quatro continuassem recebendo verbas federais. O surpreendente, porém, é que todos estavam ainda mais distantes tanto da média nacional quanto dos estados com maiores gastos por aluno: Roraima, Amapá e São Paulo. Em 1998, o valor mais alto pago por aluno era 2,8 vezes maior do que o mais baixo. No ano passado, essa diferença subiu para 3,4 vezes.

Briga por repasses

Secretários de Educação culpam o governo federal, uma vez que cabe à União fazer repasses às prefeituras e aos governos estaduais que não têm dinheiro para garantir um padrão mínimo de qualidade. O problema é que quem fixa esse valor mínimo é o governo. E quanto mais alto for o piso, maior deverá ser o repasse federal. A briga foi parar na Justiça. Governadores e prefeitos tentam cobrar dívidas cujas estimativas vão de R$12 bilhões a R$24 bilhões.

¿ A União não fez o papel dela. Desde 1998, sempre repassou menos e fez pouco para diminuir as diferenças entre os estados ¿ diz a presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Maria do Pilar Lacerda, que é secretária da prefeitura petista de Belo Horizonte.

¿ A diferença seria muito maior sem o Fundef ¿ rebate o ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, o responsável pela criação do fundo, referindo-se ao impacto da complementação federal, que atingiu seu valor mais alto em 1999, quando o governo transferiu R$675 milhões.

Desigualdades regionais

Dos oito estados com menos recursos por aluno dentro do Fundef, sete são nordestinos: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco e Piauí. O oitavo é o Pará. Em 1998, por exemplo, o governo e as prefeituras maranhenses dispunham de R$315,00 por aluno/ano ¿ o piso nacional ¿ para financiar as escolas de ensino fundamental. Isso correspondia a 75% do valor médio registrado no país. Sete anos depois, em 2005, o governo e as prefeituras no Maranhão tiveram R$620,56 por aluno, o equivalente a apenas 60% da média nacional. Ou seja, houve aumento no valor investido. Mas, no resto do país, o crescimento foi maior, alargando o fosso da desigualdade regional.

Educadores concordam, porém, que o fundo trouxe avanços. Ao atrelar o dinheiro ao número de alunos, o Fundef ajudou a matricular mais crianças na escola e distribuiu melhor os recursos entre prefeituras e governos estaduais. Sua lógica de redistribuição do dinheiro no âmbito de cada estado estimulou prefeituras a saírem atrás dos alunos. Afinal, os recursos são divididos de acordo com o número de estudantes. No ano passado, segundo o Ministério da Educação, 25 governos estaduais transferiram R$6,3 bilhões a seus respectivos municípios.

Mas a piora nos resultados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) ¿ prova nacional aplicada pelo Ministério da Educação a alunos de 4ª e 8ª série ¿ entre 1997 e 2003 e o aumento da evasão sinalizam que o Fundef não foram suficiente para melhorar a qualidade do ensino. No mesmo período, a repetência caiu de 23,4% para 19,2%, índice ainda assim considerado altíssimo.

¿ Faltou atrelar o financiamento a metas de eficiência. O desafio agora é colocar quantidade e qualidade na mesma equação ¿ diz o presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed), Mozart Neves Ramos, que é secretário de Pernambuco.

Em 1997, antes do início efetivo do Fundef, 93% da população de 7 a 14 anos estavam na escola. Em 2004, essa taxa superava 97%. No Nordeste, o salto foi maior: de 89,4% para 96,1%. O aumento também foi mais significativo entre as famílias de baixa renda.

Aumentos salariais

O Fundef propiciou aumentos salariais. Isso porque 60% dos recursos devem ser aplicados na remuneração do magistério. Entre 1997 e 2000, o reajuste médio no país foi de 30%, atingindo 70% nas redes municipais do Nordeste, onde nem mesmo o salário-mínimo era respeitado.

¿ As coisas estariam ainda piores sem o Fundef. Mas a melhora é muito menor do que a educação brasileira precisa e do que outros países tiveram no mesmo período ¿ diz o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que foi ministro da Educação no governo Lula e hoje é candidato do PDT ao Planalto.

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