Título: O rombo da informalidade
Autor: Alessandro Soler
Fonte: O Globo, 25/06/2006, Rio, p. 16

Pirataria, ligações clandestinas, inadimplência e construções ilegais dão prejuízo de R$4,4 bi

Ainformalidade, em suas muitas facetas, rouba da economia do Estado do Rio pelo menos R$4,4 bilhões a cada ano, revela levantamento do GLOBO com base em dados fornecidos por empresas, entidades representativas, órgãos públicos e centros de estudo. Os informais são, por exemplo, os proprietários dos veículos não licenciados no ano passado (62,5% do total, ou 2.356.044) e os 14,5% dos consumidores piratas de energia elétrica (862.500 instalações). Ou quase 37% da população economicamente ativa e ocupada (2,418 milhões), de acordo com estudo inédito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que mostra que, enquanto a informalidade diminui no país, no Rio ela cresce a cada ano.

A conta da informalidade supera em muito o orçamento de importantes secretarias de estado, como a de Segurança Pública (R$2,23 bilhões), a de Saúde (R$2,64 bilhões) ou a de Educação (R$2,14 bilhões). E cabe à sonegação de ICMS (R$1,2 bilhão) e à pirataria a maior fatia dos prejuízos.

Uma pesquisa do Fórum Contra a Pirataria, entidade que reúne empresas de mais de 30 setores, responsáveis pelo equivalente a 29% do PIB do país, conclui que a indústria fluminense deixou de ganhar R$1 bilhão no ano passado por causa desse tipo de informalidade. Já o estado deixou de arrecadar R$550 milhões em impostos, o equivalente ao orçamento da Secretaria de Transportes.

¿ Obviamente, essa não é uma questão meramente econômica. As pessoas parecem não se dar conta de que pirataria, hoje, é uma indústria ilegal intimamente ligada ao crime organizado. Segundo dados da Interpol, em 2005 o tráfico de drogas movimentou US$322 bilhões no mundo. A pirataria movimentou US$516 bilhões. É preciso entendê-la como algo que corrompe a sociedade. Quem é leniente com esse tipo de contravenção acaba relaxando com outras ¿ analisa Alexandre Cruz, secretário-geral do fórum. ¿ Quanto mais se difunde a pirataria, mais altos ficam os preços na indústria formal, porque ela encolhe para dar lugar aos ilegais.

Maioria dos piratas vem do exterior

O presidente da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), Gustavo Leonardos, associa com ironia a disseminação sem controle da pirataria no estado à globalização:

¿ É o preço que se paga pela globalização. De 70% a 75% de todos os produtos piratas que são vendidos nos camelôs vêm do exterior. E muitas vezes nos contêineres que os trazem encontramos armas e drogas. As máfias se beneficiam de acordos comerciais, áreas de livre comércio e afins para fazer circular com mais facilidade toda essa tralha. Não há sistema administrativo que dê conta de periciar uma enorme quantidade de produtos que entra no país.

Outra face da pirataria, a de serviços ¿ luz, água, TV a cabo ¿ também alcança quantias vultosas no Rio. Só a Light estima perder R$500 milhões por ano com o furto de energia elétrica e gasta R$100 milhões para combatê-lo. A base de clientes da maior concessionária de energia elétrica do estado chega a 3,75 milhões. Outros 262.500 têm instalações ilegais (¿gatos¿). Na Ampla a situação é pior. A empresa tem 2,2 milhões de clientes e estima em 600 mil os piratas, com prejuízo anual de R$260 milhões.

¿ Há mil pessoas na Light que se ocupam do combate aos ¿gatos¿ de luz. Elas poderiam estar trabalhando em áreas mais produtivas para melhorar o fornecimento a todos. E, se mais pessoas pagassem, os preços obviamente cairiam ¿ explica José Marcio Ribeiro, assessor da Diretoria de Distribuição da companhia. ¿ Quando se fala em informalidade, um dos maiores males do nosso estado, há de se saber que todos suportam isso, todos toleram. Todo mundo acha normal ter camelô na rua, ocupar irregularmente com construções os espaços públicos.

O furto de água, segundo a Cedae, chega a 15% do total tratado, ou 360 milhões de metros cúbicos por ano. Os prejuízos com as ligações clandestinas alcançam R$360 milhões por ano em todo o estado. Já as operadoras de TV a cabo, segundo o Sindicato das Empresas de TV por Assinatura (Seta), sofrem com 21% de pirataria. A perda passa de R$30 milhões anuais. Não há dados disponíveis sobre a pirataria de sinal via satélite e microondas, que o presidente do Seta, Antonio Salles, classifica como ¿igualmente descontrolada¿:

¿ Essa informalidade daninha não proporciona mais inclusão social e econômica, muito pelo contrário. Empregos são perdidos, preços sobem por conta dela. As redes clandestinas de TV a cabo em favelas crescem sem controle. Daqui a pouco os traficantes poderão usar os canais das suas redes para transmitir mensagens à população de uma favela ou de outras, sem interferência do estado.

Informal nos serviços, informal com os carros. De acordo com o Detran, 62,5% dos 3.769.049 veículos do estado não foram licenciados no ano passado e 19% dos motoristas (720.964) não pagaram o IPVA. Com multas não pagas, todo o estado perdeu quase R$200 milhões. Deste valor, cerca de R$40 milhões foram perdidos pela prefeitura do Rio com as multas municipais.

A informalidade fundiária também traz prejuízo às prefeituras. Só a do Rio deixou de ganhar R$320 milhões com IPTU, 20% do total arrecadado. E a conta pode ser mais alta, já que não há estimativas precisas sobre quanto se deixa de arrecadar em todo o estado com os quase 10% de domicílios em situação irregular, sem escritura ou outros documentos, localizados em favelas. Eles eram, em 2004, segundo o IBGE, mais de 424 mil de um total de 4,895 milhões de residências.

¿ Nesses lugares a pirataria imobiliária avança de modo grave. Há muita gente investindo seu pequeno capital em barracos, na construção de lajes, sob as bênçãos do tráfico de drogas muitas vezes e sempre com os olhos da prefeitura fechados ¿ afirma o deputado Júlio Lopes (PP-RJ), vice-presidente da Frente Parlamentar Antipirataria. ¿ Em dois tempos constroem-se novos barracos. O investidor dessa pirataria fundiária passa a ganhar dinheiro sem pagar impostos. Enquanto o Rio cresce negativamente, nas áreas faveladas a expansão é de 10% ao ano. A informalidade vira a regra no nosso estado.