Título: MANTEGA, O MINISTRO QUE NEM SEMPRE DIZ `NÃO¿
Autor: Martha Beck e Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 25/06/2006, Economia, p. 33

Em quase três meses no cargo, ele angariou a simpatia dos colegas na Esplanada aprovando vários projetos

BRASÍLIA. Ao completar três meses no comando do Ministério da Fazenda no próximo dia 28, Guido Mantega terá conseguido algo inédito para um ocupante do cargo pelo menos nos últimos dez anos: ganhar elogios de seus colegas de Esplanada, sempre ávidos por mais recursos. A postura dele nas negociações para a aprovação do Orçamento, o reajuste dos servidores, o pacote agrícola e o diálogo facilitado com o setor produtivo conquistaram a simpatia de ministros como Roberto Rodrigues (Agricultura), Luiz Fernando Furlan e Dilma Rousseff (Casa Civil), que eram as principais vozes da discórdia com o antigo comandante da Fazenda, Antonio Palocci.

Somente o pacote agrícola, anunciado em maio para tentar solucionar a crise do setor, colocou à disposição dos produtores cerca de R$75 bilhões ¿ dos quais R$10 bilhões foram destinados ao Desenvolvimento Agrário, mais nova pasta admiradora de Mantega. As medidas eram um pleito antigo de Rodrigues, mas a interlocução com Palocci era bem mais difícil. Segundo técnicos da Agricultura, a atual crise do agronegócio ¿ a maior dos últimos 40 anos ¿ não seria tão grave se a postura do antigo ministro fosse mais flexível.

¿ O diálogo com a Fazenda se tornou bem mais fluido com a chegada de Mantega ¿ afirma um técnico da Agricultura.

Já Rodrigues é diplomático, mas não nega que sua relação com Mantega é mais próxima:

¿ Tenho um excelente relacionamento com Mantega. Ele teve papel determinante na definição do pacote agrícola. Foi comigo a uma audiência pública na Câmara dos Deputados e ficou durante seis horas respondendo a perguntas dos parlamentares. Ele tem sido muito solidário.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, também afirma que o relacionamento com a Fazenda é positivo. Além dos R$10 bilhões destinados à agricultura familiar, a equipe econômica está estudando a liberação de R$1 bilhão em recursos adicionais para o pagamento de indenizações a donos de terras desapropriadas.

¿ A política fiscal tem a mesma austeridade e não temos ficado sem recursos ¿ resume Cassel.

Com sua resposta, Cassel faz também coro ao discurso atual de Dilma Rousseff nos bastidores do governo, uma vez que ela batalha para expandir o máximo possível os investimentos públicos, sem grandes preocupações com as discussões sobre a necessidade de cortar permanentemente despesas da esfera federal.

A simpatia conquistada por Mantega chegou a acender a luz amarela entre técnicos da equipe econômica e economistas, que temiam que o ministro colocasse em risco o equilíbrio fiscal. Mas a forma como ele tem conduzido a economia já acalmou os ânimos. Segundo técnicos da Fazenda, havia uma dúvida sobre a força que Mantega teria na hora de dizer não ao aumento de gastos.

¿ Não sabíamos se o ministro teria o aval do presidente Lula para dizer não quando necessário. Mas vimos que ele tem apoio. Ninguém aqui está mais tão preocupado ¿ diz um técnico da equipe econômica.

¿ Tradicionalmente, a situação na Esplanada é ter todas as pastas de um lado e a Fazenda de outro. Mas tudo o que está sendo feito está na conta ¿ completa o técnico.

O sócio da Consultoria Tendências, Roberto Padovani, afirma que o ministro deveria ser mais ousado e fazer um superávit primário maior que os atuais 4,25% do PIB, mas acha que não há risco na política econômica. Para o especialista em contas públicas Amir Khair, a economia está em boas mãos:

¿ É verdade que o governo tem feito uma série de despesas, mas várias delas promovem a atividade econômica e não colocam em risco a responsabilidade fiscal.

É justamente o trabalho de promover a atividade econômica que vem unindo Mantega e Furlan, que está sempre atrás de mais recursos para o setor produtivo. A Fazenda acaba de anunciar, por exemplo, a ampliação da lista de produtos que tiveram redução de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para a construção civil.

O Ministério da Justiça também se surpreendeu com as negociações de Mantega para tentar evitar a greve da Polícia Federal, que teria sido mais ampla caso o ministro não tivesse interferido.

¿ Conheço o ministro Guido Mantega desde os anos 80 e sei do seu preparo, competência e bom senso ¿ afirma o ministro Márcio Thomaz Bastos.

Já o secretário-executivo do Ministério dos Transportes, Miguel Bianco Masella, destaca que os recursos para sua pasta vêm crescendo ano a ano:

¿ Para 2006, temos R$2,3 bilhões de um total de R$3 bilhões do Projeto-Piloto de Investimentos (PPI) e R$1,2 bilhão para investimentos do próprio Orçamento.

Parlamentares, mesmo aliados, criticam atuação

Mantega também já demonstrou que não dá prioridade à negociação direta com o Congresso, ao contrário do que fazia Palocci. Como o novo ministro não possui um trânsito partidário muito forte e sempre foi visto como um técnico, ele prefere deixar que sua equipe, especialmente o secretário-executivo, Bernard Appy, faça a negociação com o Congresso.

Por isso mesmo, Mantega ainda não conseguiu conquistar os parlamentares. A oposição alega que falta a ele autonomia para decidir sobre questões importantes. E mesmo entre os aliados, há quem critique sua forma de atuação.

¿ Até o momento, Mantega está colhendo os frutos que Palocci plantou ¿ disse o deputado Carlito Merss (PT-SC).

¿ Parece que Mantega é um mandado e que não sabe dizer não ao aumento dos gastos públicos ¿ disse o líder do PFL no Senado, Agripino Maia (RN).