Título: HÁ ESPERANÇA
Autor: JOÃO BETTENCOURT
Fonte: O Globo, 26/06/2006, Opinião, p. 7

Nos tempos em que vivemos, muitas vezes parece que a única posição que ainda faz algum sentido é o voto nulo. É como se votando nulo pudéssemos expressar toda a nossa indignação com um sistema que não nos representa. Vota-se nulo como uma forma de manter viva a esperança. Quem vota nulo, quer participar. É um voto consciente, ideológico, que prega a mudança. Bem, essa é a intenção, mas, como diz o ditado, de boas intenções o inferno está cheio.

Nós aprendemos na escola o que é voto de cabresto e curral eleitoral. Eles estão longe de desaparecer. A idéia de que o voto urbano elimina ou diminui essas práticas fecha os olhos para as imensas e constantes necessidades da população, que não tem seus direitos assistidos e para as quais o Estado não funciona.

No Leblon, todos têm acesso aos serviços de correio, à coleta de lixo, a hospitais. Se aparecer um buraco no meio da rua, até pode demorar um pouco, mas alguém vai lá consertar. O Estado é lento, a violência impera, mas as pessoas têm o mínimo necessário e podem escolher seus candidatos baseados em opiniões políticas.

Agora, como é que vota uma mulher com seis filhos, um de 2 anos que está ficando cego devido à lentidão e à dificuldade de acesso a serviços médicos? Como vota o sujeito que vê um barranco desabando sobre sua casa, ameaçando destruir tudo e deixar a família morando na rua? Como vota aquela garota que precisa terminar o ensino médio e trabalhar, mas só conseguiu vaga numa escola a duas horas de sua casa?

Quem precisa muito não vende seu voto porque é bobo, mas porque essa é a única forma que encontra de barganhar, de conseguir alguma coisa, de fazer política. No outro lado, quem tem condições de analisar os candidatos, suas vidas, sua origem partidária, suas bandeiras e atuações políticas, esses se escondem atrás de um cômodo véu de descrença e condenação.

Não percebem que não é a política corrupta que estão condenando, pois essa não se incomoda com o voto nulo, não precisa do voto consciente. Estão condenando o povo. Ao se recusarem à mobilização, ao abrirem mão de sua capacidade de organização, da sua capacidade de levantar bandeiras e dar esperança ¿ independentemente da classe social a que pertençam ¿ condenam ao ostracismo político a si mesmos e aqueles que, por falta de horizonte, por não se verem representados pelo sistema democrático, vendem seu voto. O voto nulo é o voto pela perpetuação do que está aí. Não vamos nos enganar.

Muita gente quer votar consciente. Há esperança.

JOÃO BETTENCOURT é estudante (www.naoreclamevote.zip.net).