Título: EMPRESAS, SINDICATO E POLÍTICOS CRITICAM SUBORDINAÇÃO DA AGÊNCIA AO GOVERNO
Autor: Geralda Doca, Martha Beck e Erica Ribeiro
Fonte: O Globo, 27/06/2006, Economia, p. 23

Interferência da Casa Civil na Anac leva senador a pedir explicações a Dilma

BRASÍLIA. A atuação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em seus três primeiros meses de funcionamento - que culminou com o agravamento da crise da Varig - foi marcada pela subordinação ao governo. De representantes do setor aéreo, sindicatos das empresas e de trabalhadores até parlamentares, da base aliada à oposição, as críticas são muitas. Ao contrário do que prevê a lei que criou o órgão regulador - independência administrativa e ausência de subordinação hierárquica - as ações da agência estão sob o comando da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, mesmo com seus diretores tendo mandato fixo.

O grau de dependência, segundo integrantes do próprio governo e do setor, ficou evidente na sexta-feira, quando a Anac aprovou, no fim da noite, a venda definitiva da VarigLog para a Volo Brasil. Durante a semana, a secretária-executiva da Casa Civil, Erenice Guerra, e assessores jurídicos fizeram várias reuniões com diretores da agência, inclusive, na sede do órgão regulador.

Nos encontros, a ordem foi pela aprovação, mesmo havendo controvérsias na diretoria colegiada do órgão. O aval da Anac era uma exigência da VarigLog para comprar a Varig e aportar US$20 milhões, a fim de manter a companhia voando.

Quem no governo criticou publicamente o ato da Anac foi repreendido por Dilma por estar trabalhando "contra uma diretriz de governo". Empresários do setor também contaram que, na reunião do Gabinete de Crise no Ministério da Defesa - que comandava o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) - o presidente da Anac, Milton Zuanazzi, interrompia as conversas constantemente para falar com a Casa Civil.

Presidente da Anac afirma estar vinculado à Defesa

Zuanazzi rebateu as críticas, alegou que a Anac não deixa de ser um órgão de governo, sem autonomia política. Segundo ele, é a própria agência quem pede assessoria à Casa Civil. O presidente da Anac desafiou os descontentes a apontarem onde a agência teve atuação equivocada ou sem respaldo técnico.

- Estamos vinculados ao Ministério da Defesa e subordinados ao Conac (Conselho de Aviação Civil, formado por vários ministérios) - afirmou. - Sinto-me absolutamente tranqüilo com tudo o que fizemos nesses três meses. Eu desafio os críticos a mostrarem onde a Anac vem tergiversando.

Sindicato dos Aeronautas diz que situação 'é lamentável'

Diante da forte interferência do governo na Anac, que substituiu o DAC, o presidente da Comissão de Infra-Estrutura do Senado, Heráclito Fortes (PFL-PI), decidiu acolher na próxima quinta-feira requerimento para pedir explicações à ministra, durante audiência pública.

- O que se está fazendo é um absurdo. Fere completamente o espírito da lei que criou a Anac - disse o senador, acrescentando que o setor via suspeitas de irregularidades na compra da Volo.

- Na prática, a Anac é totalmente subordinada ao governo. A Casa Civil chama os diretores para dar orientação, apesar de eles terem mandato fixo - reforçou Anchieta Hélcias, diretor de Relações Institucionais do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea).

A presidente do Sindicato dos Aeronautas, Graziella Baggio, lembrou que, pela lei, a Anac tem de seguir as regras do Conac e cumprir a legislação brasileira, não ficar à mercê da Casa Civil:

- Acho lamentável. Eu defendo que a agência tenha identidade e autonomia porque ela não tem um condão político, mas de cumpridora da legislação e dos regulamentos.

- A Anac está desestruturada, nem foi instalada ainda e está sendo usada pelo governo como instrumento político - criticou a deputada Yeda Crusius (PSDB-RS), acrescentando que, para ela, este não é um caso isolado entre agências no governo do PT.

O vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS), admitiu a dependência da Anac para com o governo, mas tentou minimizar a questão:

- A Anac é muito recente e pesou sobre eles um problema gigantesco, como o da Varig.

A assessoria de Dilma Rousseff - com a qual Zuanazzi trabalhou no governo Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul - negou que haja qualquer interferência no trabalho do órgão regulador.

Diretoria está num prédio da Infraero provisoriamente

Segundo especialistas do setor, falta aos dirigentes da Anac experiência com o setor. E, pior, eles nem tiveram tempo de se ambientar, sendo jogados na fogueira da Varig, na avaliação de um ex-diretor do DAC. Semana passada, a agência teve de negociar com as concorrentes da companhia um plano de emergência para não deixar milhares de passageiros no chão, no Brasil e no exterior.

A diretoria, empossada em março, também não teve tempo de instalar a Anac. Esta funciona provisoriamente em um prédio cedido pela Infraero e conta com orçamento do antigo DAC, de cerca de R$85 milhões.