Título: PF investiga 11 deputados
Autor: Antônio Werneck
Fonte: O Globo, 28/06/2006, Rio, p. 14

Inquérito apura se parlamentares da Alerj cometeram crime contra a ordem financeira

Onze deputados estaduais, incluindo Jorge Picciani (PMDB), presidente da Assembléia Legislativa do Rio (Alerj), estão sendo investigados pela Polícia Federal, suspeitos de crimes contra a ordem financeira e de lavagem de dinheiro. O pedido de abertura de inquérito foi feito pelo procurador-chefe Celso de Albuquerque Silva, da Procuradoria Regional da República da Segunda Região (Rio e Espírito Santo), depois de encontrar supostos indícios de crimes ao analisar extensa documentação enviada pela Receita Federal em novembro de 2005. Picciani e os outros políticos investigados negaram as acusações ao GLOBO em abril deste ano.

Além do presidente da Alerj, estão sendo investigados os seguintes políticos (os partidos indicados são aqueles a que eles pertenciam no período analisado): Átila Nunes (PMDB), Eliana Marta Ribeiro da Silva (PMDB) e José Nader Júnior (PTB). Outros seis parlamentares, cujos nomes não foram revelados, todos cumprindo mandatos na Alerj, também são alvo de inquéritos abertos pela PF. O deputado Domingos Brazão (PMDB), que completa a relação, já vinha sendo investigado desde março deste ano, a pedido da Procuradoria Regional da República. A investigação criminal começou depois da série de reportagens "Os homens de bens da Alerj", publicada pelo GLOBO a partir do dia 20 de junho de 2004.

A Procuradoria Regional da República também encontrou indícios de crime contra a ordem financeira no caso de Jairo Souza Santos, Renato Costa de Mello Júnior (o Renato do Posto), André Luiz Lopes da Silva, Ernani Boldrim de Freitas e mais sete outros políticos que ocuparam cadeiras na Alerj. Como eles não são mais deputados estaduais - portanto não têm foro privilegiado - a investigação foi repassada ao Ministério Público federal.

PF investigará se há contas no exterior

Os inquéritos estão concentrados na Delegacia de Crimes Fazendários da Superintendência da PF do Rio. Segundo policiais federais ouvidos pelo GLOBO, toda a movimentação financeira de Picciani e dos outros políticos está sendo rastreada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), unidade de inteligência financeira do Ministério da Fazenda. Os agentes querem saber se há dinheiro deles fora do país e, principalmente, se existem contas abertas pelos deputados em paraísos fiscais.

Num documento assinado pelo procurador-chefe, ao qual O GLOBO teve acesso em abril passado, ele diz que a "desproporcional evolução patrimonial dos investigados" configura, em tese, crimes previstos nas leis 8.137/90 (sonegação fiscal) e 9.613/98 (lavagem de dinheiro). Segundo o documento, na análise feita pela Receita Federal da vida financeira de Picciani e dos outros dez políticos foram descobertos indícios de aumento elevado no patrimônio da maioria deles. A Receita Federal aplicou multas de R$2.148.374,02.

De acordo com o relatório da Procuradoria Regional da República da Segunda Região, uma análise dos documentos enviados pela Receita Federal mostra que o patrimônio de Picciani teve um aumento - ao longo de dez anos, a partir de 1994 - equivalente a 1.065%. Em todos os anos analisados, segundo o documento, foi identificado patrimônio a descoberto elevado. Ainda de acordo com a Procuradoria Regional, a movimentação financeira do deputado "é incompatível em todos os anos sob análise".

Apesar de constatar o aumento de mais de mil por cento numa década, o relatório deixa claro que a análise se restringiu aos anos de 1999 a 2003, nos quais foi verificado um crescimento de 265% no patrimônio declarado. É dito ainda que o atual presidente da Alerj já tinha sido alvo de ação fiscal abrangendo os anos-calendário de 1997 e 1998, resultando na constatação de patrimônio a descoberto. Na época, foi lavrado um auto de infração.

Segundo o documento, no ano em que se constatou o maior valor de patrimônio a descoberto, ou seja, em 2001, o parlamentar adquiriu ações de uma empresa de agropecuária num total de R$1,007 milhão, sendo que seu saldo nessa época era de R$111.217,39. A Receita identificou o valor de R$895.782,70 a descoberto, "sem origem conhecida ou declarada e anteriormente inexistente em sua conta".

De acordo com o relatório, a atividade agropecuária do deputado "é onde sobrepairam maiores dúvidas". Em 2001, com despesas ínfimas de custeio com a atividade de criação de gado de alta linhagem, o deputado Picciani dobrou seus rendimentos e, no ano seguinte, triplicou-os. Segundo o documento da Procuradoria Regional da República, "as receitas e despesas de atividade rural contrastam com a movimentação financeira, caracterizando omissão de rendimentos e valores que não transitaram pelas contas bancárias do contribuinte".

Saiba mais sobre a série publicada no GLOBO

A série de reportagens "Os homens de bens da Alerj", do GLOBO, começou a ser publicada em 20 de junho de 2004. O trabalho foi feito a partir das declarações de bens de 113 deputados estaduais entregues ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), na época do registro de suas candidaturas. O então presidente do TRE, Marcus Faver, permitiu a análise dos documentos públicos. As declarações examinadas eram referentes ao período de 1996 a 2001. Do total de documentos analisados, só foi possível averiguar se houve aumento ou redução patrimonial em 70 casos, em que havia mais de duas declarações de bens para comparação. Em 27 casos, os deputados conseguiram dobrar o valor de seu patrimônio num período de até seis anos. Um grupo de oito parlamentares conseguiu acrescentar R$1 milhão ao patrimônio declarado nesse período.

Os novos-ricos do Legislativo admitiram que o fato de terem se tornado notórios ajudou - e muito -- a se firmarem também como empresários e, assim, justificaram o rápido crescimento econômico experimentado num período difícil da economia brasileira. Entre 1996 e 2001, período compreendido pelo levantamento, o Brasil atravessou crises financeiras. Segundo o IBGE, a renda média do trabalhador caiu 8,7%. Os 5% mais ricos tiveram queda ainda maior: 9,9%. O Produto Interno Bruto (PIB) teve um crescimento ínfimo, pouco mais de 10%, devido ao fraco desempenho do setor produtivo, área onde os deputados alegam ter ganhado dinheiro.

No período analisado, o setor da economia que conseguiu os maiores rendimentos foi a área financeira. Quem investiu nos CDIs, que são remunerados com base nos juros do governo, teve ganhos de 175%. O valor das ações da Petrobras, consideradas um dos melhores negócios do período, cresceu 218%. Mas 17 parlamentares, de acordo com o levantamento, conseguiram rentabilidade superior a todos esses investimentos.

Em declarações de 19 deputados foi detectado um antigo jeito de economizar: guardar grandes quantias em dinheiro em casa. A soma dos recursos chegava a R$1,6 milhão. A reportagem também mostrou que parlamentares utilizam cada vez mais, em alguns casos de forma ilegal, centros sociais dos quais são proprietários para melhorar seu capital político. Muitos declararam não ter qualquer patrimônio e outros, que seu patrimônio havia se reduzido, mas viviam de forma confortável, usando imóveis em nome de parentes.

Com base na série de reportagens, a Receita Federal iniciou uma devassa na movimentação financeira dos deputados. O resultado foi enviado ao procurador-chefe da Procuradoria Regional da República da Segunda Região, Celso de Albuquerque Silva. Ele identificou variação patrimonial incompatível com os rendimentos, ocultação de patrimônio e ativos de origem ilícita. As supostas irregularidades levaram a procuradoria a identificar indícios de crimes contra a ordem financeira e de lavagem de dinheiro, instaurando procedimento de investigação criminal contra o deputado Jorge Picciani (PMDB), presidente da Assembléia Legislativa do Rio, e mais dez políticos da Alerj.

Num primeiro momento, o deputado Jorge Picciani e seus advogados negaram a existência dessa investigação criminal. Mas acabaram admitindo o fato quando a assessoria de comunicação social da procuradoria confirmou oficialmente a investigação.