Título: ALTA ROTATIVIDADE, BAIXO SALÁRIO
Autor: Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 28/06/2006, Economia, p. 21

Pesquisa mostra que um terço dos trabalhadores com carteira muda de emprego a cada ano

Nadia Aline Assis é recepcionista numa editora em São Paulo. Tem carteira assinada e recebe R$500 mensais, menos da metade do que ganhava até dezembro como vendedora numa loja de cosméticos. A mudança forçada de emprego obrigou Nadia e o marido, que é autônomo, a espremerem o orçamento doméstico. Cortaram o cinema e o chope nos fins de semana e engavetaram o plano de trocar de apartamento.

- Foi uma queda grande. Chorei no primeiro mês, preocupada como pagaríamos as contas - disse ela.

Nadia é mais uma a engrossar as estatísticas do Ministério do Trabalho sobre o crescimento da rotatividade de trabalhadores no Brasil, que não dá sinais de trégua. A taxa média mensal no primeiro quadrimestre deste ano chegou a 3,56%, praticamente igual à de 2005 (3,59%) e muito próxima ao recorde de 2001 (3,71%). É como se um terço da força de trabalho no mercado formal (com carteira assinada) trocasse de emprego.

Mudar de emprego pode representar um bom negócio quando a economia cresce forte e as placas de "precisa-se" são vistas em todo lugar. Nessa condição, o trabalhador pode negociar um salário melhor. Mas não é o que acontece hoje no Brasil, de acordo com um estudo do economista Marcio Pochmann, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade de Campinas (Unicamp). Usando os dados do ministério, ele mostra que as empresas têm dispensado os funcionários mais antigos, e em tese com melhor remuneração, para empregar outros com menor salário.

Vagas aumentam. Rendimento, não

De 2002 (início do governo Lula) a 2005, o nível de emprego formal no setor privado acumulou alta de quase 10%, o que representou a incorporação de 723 mil novas vagas. No mesmo período, entretanto, a massa de rendimentos (total de salários) só cresceu 1,6%. A explicação para isso está na pífia variação da folha salarial das empresas, cuja média real passou de R$8,1 bilhões em 2002 para R$8,2 bilhões no ano passado.

- Sem o fenômeno da rotatividade no emprego formal, não apenas o rendimento real mensal poderia ser maior, como a participação do rendimento do trabalho na renda nacional (PIB) poderia ser mais relevante - afirmou Pochmann, ressaltando que quase 90% dos novos empregos criados no ano passado pagavam não mais do que dois salários-mínimos mensais.

O economista cruzou os gráficos de rotatividade e rendimento para mostrar a relação entre os dois indicadores. Entre 2002 e 2003, a taxa média anual de rotatividade caiu levemente de 3,31% para 3,22%, subindo a seguir para 3,23% em 2004 e 3,44% no ano passado. Nas contas de Pochmann, mantido o ritmo atual, a variação neste ano pode superar a de 2005 e até alcançar o recorde de 2001 (3,45%). Já a curva do rendimento real médio mensal aponta uma queda de 7,7% entre 2002 e 2003 (de R$1.116,78 para R$1.030,45), uma alta de apenas 0,69% em 2004 e outra queda, de 0,51%, no ano seguinte.

- Com a preocupação só com as despesas com salário no fim do mês, a empresa não investe adequadamente na qualificação do funcionário. E o funcionário também não investe na sua formação, porque não sabe quanto tempo ficará empregado.

Com 39 anos e há quatro sem emprego fixo, o metalúrgico Milton Bernardes não consegue mais se empregar na área em que se especializou, como operador de máquinas. Sem outra alternativa, vive a rotina de trocar de empregos e aceitar vagas temporárias. Na semana passada, ele participou de treinamento no Centro de Solidariedade da Força Sindical, em São Paulo, depois de ser um dos selecionados por uma companhia de logística. Bernardes foi contratado por um período de até 40 dias para entregar listas telefônicas na cidade.

- Meu salário vai depender de quantas listas antigas eu conseguir recuperar. Não tem outro jeito. Acham que, com 39 anos, já sou um velho - disse o metalúrgico.

Para o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio, as altas taxas de rotatividade refletem o quadro desfavorável do mercado de trabalho nos últimos anos.

Só nos 39 municípios que compõem a Região Metropolitana de São Paulo havia em abril cerca de 1,7 milhão de desempregados, a maioria com baixa qualificação e disposta a aceitar qualquer remuneração. Em média, esse trabalhador tem amargado até um ano para conseguir uma nova colocação no mercado com carteira assinada.

- A nossa taxa de rotatividade supera os 40% ao ano. Nos Estados Unidos, a taxa é de 22% - comparou Clemente Lúcio.

O técnico do Dieese também vê na rotatividade uma das explicações para os resultados apurados pelo órgão no início deste ano. A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) mais recente do Dieese mostra que os vencimentos pagos em março pela indústria na Grande São Paulo caíram 5,6% na comparação com fevereiro e 7,1% em relação a março do ano passado. Ao mesmo tempo, o nível de ocupação caiu 1,9% entre março e fevereiro e aumentou 2,8% sobre março de 2005.

INCLUI QUADRO: MUDANÇAS EEFEITOS NA RENDA