Título: DRIBLES NA LEI
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 28/06/2006, Economia, p. 22

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio de Mello, quando assumiu o cargo, disse que o Brasil é o país do faz-de-conta. Acha que isso está sendo confirmado pelos fatos. "A lei que impede aumento real no salário de funcionários no ano da eleição é claríssima, entender o contrário é dar um drible no preceito legal."

É o que ele dirá hoje aos ministros Tarso Genro e Márcio Thomas Bastos, com quem vai se encontrar no fim do dia. Os dois haviam pedido um encontro na casa dele ontem, mas Marco Aurélio preferiu uma reunião que respeitasse o papel institucional de cada um e marcou para hoje no TSE.

- O TSE é um órgão de consulta e é natural que sejam feitas essas consultas. Eu sou o presidente do Tribunal, mas não sou o Tribunal.

Os ministros querem conversar sobre a melhor forma de separar os papéis de presidente e candidato nestas eleições e respeitar a legislação em momento delicado como o de o presidente ser candidato à reeleição.

Legalmente, o presidente só será candidato quando sua candidatura, já lançada pela convenção do PT, for registrada e deferida pelo Tribunal Superior Eleitoral, explica o ministro. Portanto, de agora em diante, os cuidados precisam ser redobrados.

O que vale desde sempre é a proibição de aumentos salariais a partir de abril, e isso o governo tem descumprido, na opinião do presidente do TSE. Vários reajustes foram dados e hoje o governo vai editar mais quatro MPs dando aumentos salariais que representarão, para o próximo governo, R$7,7 bilhões de aumento de gastos.

- O Tribunal já considerou que o prazo estabelecido por lei para a vedação de reajuste salarial real é de 180 dias antes e após as eleições, portanto, a partir de abril. A lei 9.504 só ressalva reposição salarial de perda ocorrida no ano da eleição, por isso esses aumentos generalizados de salários são, sim, ilegais. O governo argumenta que não está havendo uma revisão geral dos salários, mas reestruturação de carreiras com aumentos acima da inflação. Isso é um exemplo do Brasil do faz-de-conta - afirma Marco Aurélio.

O governo não pretende postergar, nem suspender os reajustes, e dificilmente haverá um partido de oposição querendo representar contra os aumentos por temer o efeito eleitoral de se opor à medida.

- Que partido vai querer impugnar aumento de funcionalismo em ano eleitoral? É uma bandeira horrorosa!

Sobre o que se pode ou não fazer no exercício do cargo de presidente no meio de uma reeleição, Marco Aurélio acha que quem tenta uma reeleição tem que ficar atento às situações fronteiriças porque elas ocorrerão o tempo todo. Até porque, na lei de inelegibilidades, há possibilidade de investigação sobre abuso de autoridade, de poder econômico e do uso dos meios de comunicação. Uma dessas situações fronteiriças se refere às obras. As inaugurações são proibidas, mas o ministro Tarso Genro alega que vistoria não é inauguração e isso não está vetado.

- Se ficarmos presos à nomenclatura, vamos perder o princípio da realidade; se ficarmos presos ao sentido literal da lei, vamos pôr o espírito do preceito legal em segundo plano - diz o presidente do TSE.

O que o ministro não diz, mas está claro, é que a consulta feita hoje por Tarso Genro e Thomas Bastos é uma pergunta sobre assunto ocioso. É óbvio que o presidente Lula não pode fazer o que fez nos últimos meses; o governo sabe disso e desrespeitou o princípio de não uso da máquina pública deliberadamente, confiando na omissão da lei porque legalmente o presidente não era ainda candidato. Ele inaugurou obra feita, não feita, não acabada, mal começada e nem iniciada. Em todos os eventos públicos, fez comício. Viajou pelo país inteiro usando recursos públicos, dinheiro público e funcionários públicos para servir à sua candidatura. Fez propaganda abusiva de seu governo como forma de propaganda eleitoral. Usou cada fato, velho, novo ou requentado, para escalar ministros seus para usarem a prerrogativa do uso dos meios de comunicação. Houve ano em que concedeu 0,01% de aumento salarial, mas ficou subitamente generoso com os funcionários perto das eleições. O presidente Lula usou e abusou do poder que tem como presidente para fazer campanha eleitoral. Pedir hoje instruções ao Tribunal sobre como se comportar é mesmo brincar de faz-de-conta.