Título: QUANDO A JUSTIÇA DISCRIMINA
Autor: Zanon de Paula Barros
Fonte: O Globo, 29/06/2006, Opinião, p. 7

Volta e meia ouvimos falar que este ou aquele município de algum Estado é discriminado pelo Poder Executivo estadual por razões políticas. Muitas vezes governadores agem desta forma para não prestigiar algum prefeito adversário político. Ou tratam municípios de modo mais favorável, com investimentos e obras, quando o prefeito é de sua corrente política.

A discriminação de um município por parte do Poder Judiciário é, no entanto, fato inusitado. Mas é o que acontece com a Justiça Federal em relação a Nova Iguaçu. A cidade não tem varas da Justiça Federal, muito embora a Lei 10.772/03 tenha determinado que nela se instalassem três varas federais. Essa determinação legal vem sendo, no entanto, solenemente ignorada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

A referida lei determinou ainda que se instalassem varas federais em São Gonçalo e Barra do Piraí, o que foi cumprido. Nova Iguaçu, porém, recebeu apenas dois juizados especiais federais (espécie de juizado de pequenas causas no âmbito federal). A razão da discriminação é uma incógnita.

Nova Iguaçu está localizada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Seu povoamento se iniciou no fim do século XVI, tendo já quase dois séculos de autonomia política. Dela saíram praticamente todos os municípios que integram a região conhecida hoje como Baixada Fluminense. É a terceira mais populosa do Estado do Rio de Janeiro. É sede de uma importante delegacia da Receita Federal que abrange a área que vai de Teresópolis até Parati. É sede de uma subdelegacia regional do Ministério do Trabalho, de uma delegacia da Polícia Federal, além de órgãos do INSS; do Ibama (por causa da Reserva Biológica do Tinguá); de entidades do Ministério da Educação, como o Cefet; do Ministério de Minas e Energia, como o Laboratório de Alta Tensão do Cepel etc. Fora a Capital, apenas quatro cidades do Estado do Rio são sede de delegacias da Receita Federal e da Polícia Federal: Campos, Volta Redonda, Niterói e Nova Iguaçu. Destas, somente Nova Iguaçu não tem Justiça Federal.

Para a Justiça Estadual, a comarca de Nova Iguaçu é a terceira mais importante do Estado, só tendo menos varas do que a capital e Niterói (que já foi capital).

Nova Iguaçu, apesar de ter sido, por interesses políticos, toda retalhada recentemente, perdendo importantes distritos industriais, como Queimados e Belford Roxo, ainda é o 28º PIB de serviços do país. Apenas 6% menor do que o de Santos (26º ), porém 30% maior do que o de Juiz de Fora (40º ) ¿ a segunda mais importante cidade de Minas Gerais ¿ e 56% maior do que a famosa São Caetano do Sul, em São Paulo (dados do IBGE). Seu PIB geral é maior do que os de Londrina, Juiz de Fora, São Caetano e Florianópolis. Se não houvesse sido retalhada, seu PIB geral seria quase igual ao de Campinas e maior do que o de Ribeirão Preto, Goiânia e Belém.

Segundo o IBGE e o IPEA, em toda a Região Metropolitana do Rio, só duas cidades (fora o Rio ¿ metrópole nacional) têm efetiva função de centro regional, com nível de centralidade de médio para forte: Niterói e Nova Iguaçu (o nível de centralidade indica a influência da cidade sobre outras cidades).

No entanto, na Região Metropolitana do Rio, além da capital e Niterói, são sede de varas federais Itaboraí (médio para fraco); São Gonçalo (médio para fraco), Magé (muito fraco) e São João de Meriti (muito fraco). Nova Iguaçu, com nível de centralização superior a todos estes, ficou de fora.

Afinal, então, qual a razão de o TRF da 2ª Região se recusar a instalar em Nova Iguaçu as varas federais determinadas pela Lei 10.772/03? É porque já existem varas federais em São João de Meriti, que é muito perto de Nova Iguaçu? Se for esta a resposta, não convence.

Também existem diversas varas federais em Niterói, que dista do centro de São Gonçalo a mesma distância que vai de São João de Meriti a Nova Iguaçu e, no entanto, para São Gonçalo a lei foi cumprida, e para Nova Iguaçu, não. Além disso, os municípios de Niterói (que inclui Maricá) e São Gonçalo somados (ambos com sede da Justiça Federal) representam uma população de 1.475.068 habitantes, uma área de 740km² e um PIB de 9 bilhões de reais.

Já os municípios da Baixada, onde há varas federais somente no minúsculo São João de Meriti, somam uma população de 3.059.008 habitantes, área de 1.318km² e PIB de 23 bilhões e meio de reais.

Barra do Piraí, que já foi aquinhoada com a sede de vara federal (com base na mesma Lei que determinou a instalação em Nova Iguaçu), tem tão-somente 91.369 habitantes, área de 578km² e PIB de apenas 600 milhões de reais.

Realmente, não há explicação para que o TRF da 2ª Região descumpra a lei e a lógica em detrimento da Baixada Fluminense, especialmente em relação a Nova Iguaçu. Só há duas hipóteses: ou o critério de instituição de jurisdição de varas federais no Estado do Rio é aleatoriamente louco ou a Justiça Federal fluminense não gosta de pobres, pois, apesar de tudo o que foi demonstrado aqui, Nova Iguaçu tem fama de pobre.

ZANON DE PAULA BARROS é advogado.