Título: BRASIL É O SEGUNDO MAIS CARO NA AMÉRICA DO SUL
Autor: Luciana Rodrigues e Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 29/06/2006, Economia, p. 26

Entre 10 nações, país ficou em 6º lugar em gastos familiares, num reflexo da desigualdade de renda brasileira

RIO e BUENOS AIRES. No primeiro levantamento oficial já feito entre as diferenças no consumo das famílias e nos preços da América do Sul, o Brasil aparece como um dos países mais caros da região e onde os gastos per capita ficam abaixo da média. No ano passado, os produtos e serviços consumidos pelos brasileiros só não eram mais caros do que no Chile. Mas, entre os dez maiores países da América do Sul, o Brasil ficou em sexto lugar em termos de gastos familiares, num reflexo da extrema desigualdade de renda brasileira que exclui parte da população do mercado consumidor.

Os resultados preliminares do Programa de Comparação Internacional (PCI) do Banco Mundial foram apresentados ontem e mostram os países mais pobres da América do Sul ¿ Paraguai e Bolívia ¿ como os mais baratos e, também, os locais onde as famílias gastam menos. O consumo na Argentina, primeira do ranking nesse quesito, é o triplo do verificado na Bolívia.

O Brasil tem preços 14,2% acima da média e despesas familiares 9,5% inferiores. Para chegar a esses resultados, os institutos de estatísticas e bancos centrais de dez países da América do Sul tomaram como base os gastos das famílias com cada bem e serviço e coletaram os preços de mais de 400 itens. A pesquisa foi coordenada pelo órgão de estatística do Canadá, o Statistics Canada.

ONU: tributação também pesa no Brasil

Segundo Eduardo Nunes, presidente do IBGE, responsável pela pesquisa no Brasil, os preços acima da média aqui são conseqüência de três décadas de descontrole inflacionário:

¿ A inflação sob controle é recente, tem pouco mais de dez anos. E os preços foram estabilizados num nível elevado.

Para Marcelo Medeiros, do Centro Internacional de Pobreza da ONU, a diferença de 14,2% no custo de cesta de compras brasileira em relação à média regional não é tão grande. Ele lembra que variáveis como a tributação e o peso do câmbio nos insumos importados acabam tendo impacto nos preços. Além disso, segundo Medeiros, a paridade de preços desfavorável não é necessariamente um sinal de que morar no Brasil é pior:

¿ O que influi também, e muito, é o nível e a distribuição de renda entre as famílias. O nível de renda no Brasil é razoável, mas a distribuição é péssima. Para o bem-estar das pessoas importa também saber como é a provisão de bens e serviços gratuitos que não são considerados nos preços de paridade. No Brasil, educação e saúde podem ser obtidos gratuitamente, em alguns outros países não.

A má distribuição de renda é, na avaliação do presidente do IBGE, a explicação para o baixo nível de consumo no Brasil.

¿ O país tem uma distribuição de renda que deixa de lado uma parcela da população, isso diminui o consumo global.

Além disso, como os preços são relativamente mais altos, fica ainda mais difícil para os pobres consumirem.

Argentina tem padrão de consumo 61,3% maior

Apesar da gravíssima crise econômica que assolou a Argentina entre 2001 e 2002, o país ainda mantém um padrão de consumo 61,3% superior à média da América do Sul. E apresenta os preços relativos mais baixos. Apenas Paraguai e Bolívia são mais baratos do que a Argentina. A inflação no país foi de 12,3% em 2005 e corroeu parte do poder de compra dos argentinos, mas tarifas públicas continuam sob congelamento.

¿ Tudo o que estiver relacionado aos serviços públicos é mais barato. Uma passagem de ônibus custa 0,75 centavos de peso (o equivalente a R$0,43 pela conversão cambial de ontem), porque as empresas recebem um subsídio estatal. As tarifas de gás e eletricidade também estão congeladas. A gasolina é uma das mais baratas da região ¿ afirmou Mariano Lamothe, do Centro de Estudos Bonaerense (CEB).

Para Javier Mendilahatzu e Maria Eugenia Eguia, donos de confecção para jovens em Buenos Aires, a situação melhorou bastante desde a crise de 2001.

¿ Nosso consumo aumentou bastante. Pagamos um aluguel de mil pesos (R$717), nosso plano de saúde custa 200 pesos (R$143, para o casal) e podemos comprar coisas que antes não podíamos ¿ contou Maria Eugenia.

A economista brasileira Isabel Cardoso, que no ano passado visitou a Argentina a turismo, sentiu no bolso os preços mais favoráveis do país vizinho. As tarifas de metrô e as roupas custavam bem menos, lembra Isabel. Ela queixa-se dos preços altos, principalmente da habitação, no Brasil.

¿ Gasto R$2 mil reais por mês com aluguel e condomínio ¿ disse Isabel, que mora num apartamento de dois quartos na Barra da Tijuca.

Se na Argentina os preços médios foram favorecidos pela política do governo de congelamento de tarifas, os resultados da Venezuela ¿ tanto no consumo das famílias como no valor dos produtos ¿ foram influenciados pela disparada nas cotações do petróleo. O país obtém 80% de suas receitas com exportações do petróleo e, como grande produtor, não repassou a alta internacional para os preços domésticos. Com isso, as famílias da Venezuela ficaram com mais folga no orçamento para aumentarem seus gastos.'A Venezuela aparece em quarto lugar na lista dos países onde as famílias mais consomem.

¿ Se os preços do petróleo estivessem mais baixos, a Venezuela mudaria significativamente sua posição no ranking ¿ afirmou Jacob Ryten, consultor do Banco Mundial.

(*) Correspondente