Título: O PREÇO DA OBSCURIDADE
Autor: SOLANGE SROUR
Fonte: O Globo, 30/06/2006, Opinião, p. 7

Após vários meses de estabilidade, a volatilidade verificada a partir de meados de maio nos mais diversos mercados é resultado de maiores incertezas quanto ao rumo da economia americana e quanto à condução da política monetária pelo Fed. Depois de um longo período de elevado crescimento sem pressões nos preços e com os juros subindo de forma previsível, os EUA vivem um momento de transição. Fora o fato de estar mais próximo da taxa de juros estimada como neutra, com o comando do Fed nas mãos de um novo charmain, os últimos dados mostram uma economia desaquecendo e inflação mais alta. Diante deste cenário, as recentes falhas de comunicação do Fed são apontadas como uma das causas para o aumento da incerteza e dos prêmios dos diversos ativos financeiros.

Uma das mais notáveis características do Federal Reserve durante a presidência de Alan Greenspan foi justamente o aumento da transparência e o conseqüente ganho na previsibilidade da política monetária. Antes de 1994, o Fomc nem ao menos tornava pública suas decisões quanto a taxas de juros. Os investidores tinham de inferi-la pelo tamanho das operações de mercado aberto conduzidas pela mesa de operações do Fed. Hoje, além dos comunicados depois de cada reunião, dispomos das atas, dos discursos dos membros do Fomc e dos estudos realizados pelos Fed regionais sobre os mais diversos aspectos da economia.

Apesar de pouca experiência, a comunicação do Fed foi decisiva para a coordenação das expectativas durante a batalha contra a indesejada desinflação em 2003. A fim de lidar com este problema particular, o Comitê explicitou claramente que pretendia manter as taxas de juros baixas por um ¿período prolongado¿. Já em maio de 2004, diante da necessidade de remoção da política acomodatícia, a linguagem foi modificada, sugerindo que o processo seria dado em um ¿ritmo comedido¿. A comunicação foi alterada novamente em dezembro de 2005, quando uma maior preocupação com a inflação levou o Fed a afirmar que ¿algumas medidas adicionais comedidas deveriam ser necessárias¿. Em janeiro, a palavra comedida foi retirada, tornando a magnitude e as futuras ações menos certas. Desde então, as expectativas quanto aos próximos passos do Fed passaram a ficar extremamente dependentes dos dados correntes. É neste contexto, juntamente com as taxas de juros reais próximas do neutro, que a comunicação do Fed ganhou mais relevância.

Entretanto, foi justamente neste momento que a credibilidade do Fed começou a ser posta em xeque. Tudo começou com a ata da reunião do Fomc de março e o testemunho de Bernanke no Senado, no dia 27 de abril, traçando um cenário de moderação no ritmo de atividade e de redução das pressões inflacionárias dadas as defasagens existentes na transmissão da política monetária. Neste momento, mesmo o Fed dispondo de um número alto de inflação corrente, sugeriu que ainda que os riscos de inflação e atividade estivessem desbalanceados, poderia optar por não subir os juros até dispor de mais informações. Segundo as próprias palavras do Fed, o processo de subida dos juros já estaria próximo do fim e havia o receio de que pudesse ir além do que o necessário, necessitando-se assim de mais cautela nos próximos passos. A mensagem foi interpretada como uma maior tolerância do Fed com a inflação, pressionando para cima as expectativas de inflação.

Desde então, os dados sobre a atividade vêm suportando o cenário do Fed, com os números de empregos criados diminuindo, os dados do setor imobiliário mostrando desaceleração, o consumo moderando e as expectativas de consumidores e empresariado mais fracas. Já em relação à inflação, tivemos mais dois meses de inflação alta, em grande parte devido ao aumento dos aluguéis, cuja pesquisa de preços é sujeita a diversas críticas. Ao mesmo tempo, o custo unitário do trabalho tem sido revisado para baixo e os preços das principais commodities reverteram a tendência de forte alta no mercado internacional.

Entretanto, apesar de a economia americana estar desacelerando de fato e de a alta recente da inflação parecer ser um fenômeno temporário, o Fed mudou completamente seu discurso. Passou a enfatizar significantemente o risco inflacionário, colocando menos peso nos riscos de uma desaceleração mais forte da atividade. Ao sinalizar que a parada do processo de aperto monetário não seria mais neste mês, as expectativas de inflação reverteram grande parte da alta anterior. Entretanto, os custos da mudança de visão por parte da autoridade monetária mais importante do mundo podem ser medidos pelo aumento significativo da volatilidade dos mercados de ações, moedas, commodities, com efeitos expressivos tanto nos países desenvolvidos quanto nas economias emergentes.

Uma comunicação clara por parte das autoridades monetárias é de suma importância para a efetividade de suas ações. Os canais de transmissão da política monetária não são triviais e diretos, dependendo bastante das expectativas dos agentes acerca da trajetória futura dos principais indicadores da economia, inclusive do próprio juro. Existe um grande debate na literatura econômica questionando até que ponto é desejável que os bancos centrais sejam tão explícitos e façam considerações sobre o rumo das taxas de juros de curto prazo. Os riscos de as autoridades monetárias perderem flexibilidade devido às falhas de comunicação não são desprezíveis e podem causar altos custos à economia.

SOLANGE SROUR é economista.