Título: HÁBITOS DE CONSUMO APROXIMAM EMERGENTES
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 01/07/2006, Economia, p. 24

Valores morais, porém, são bem diferentes entre Brasil, Rússia, Índia e China, os quatro gigantes dos BRICs

Eles serão as quatro maiores economias mundiais em três décadas, mas no momento têm em comum apenas uma certa afinidade com os valores do capitalismo ocidental. Brasil, Rússia, Índia e China ¿ os quatro países emergentes que, segundo o banco americano Goldman Sachs, vão liderar o Produto Interno Bruto (PIB) global em 2050 ¿ têm em suas metrópoles habitantes igualmente dispostos a fazer sacrifícios pela carreira, atraídos pelo consumo por impulso e fascinados pela juventude eterna. Só não conseguem dizer em uníssono se lugar de mulher é em casa; se homem chora; e se crianças têm direito à liberdade de expressão.

As conclusões fazem parte do recém-concluído estudo ¿Construindo nos BRICs¿, parceria do Ibope com a consultoria inglesa Kantar Media Reserch. Os dois institutos entrevistaram moradores das dez principais cidades dos quatro países para investigar suas condições de vida, hábitos de consumo e valores morais. No Brasil, ouviram 16 mil habitantes de Rio de Janeiro e São Paulo. Na Rússia, foram 36 mil em Moscou e São Petesburgo; na Índia, 22 mil entre Bombaim, Nova Délhi e Calcutá; na China, 70 mil em Pequim, Xangai e Cantão.

Brasil surpreende pelo atraso na educação

Os 174 mil adultos das metrópoles emergentes ajudaram a compor o cenário que as corporações multinacionais terão de enfrentar, se quiserem estender sua liderança às potências da segunda metade deste século. Estudos desse tipo ajudam-nas a determinar o tamanho e as necessidades de cada mercado. Além, é claro, de traçar uma estratégia antigafes, que não entre em choque com a cultura e os valores locais.

¿ Uma empresa de cerveja que apresente na China uma propaganda com mulheres de biquíni, que dá muito certo no Brasil, pode não se dar bem ¿ explica Roberto Lobl, diretor de negócios do Ibope e um dos responsáveis pelo estudo.

Das futuras potências, o Brasil é a que mais apresenta valores semelhantes aos do mundo ocidental, embora seja o que mais se distancie em indicadores socioeconômicos. A pesquisa comparou os resultados dos BRICs à média de quatro países europeus (França, Reino Unido, Alemanha e Espanha) ¿ posteriormente, serão feitas comparações com os EUA. Os habitantes de Rio e São Paulo incorporam crenças na ascensão social pelo trabalho, liberdade de costume, aversão ao endividamento, fidelidade conjugal e interesse pelo novo.

Também se destacam pelo pensamento ¿progressista¿ em relação ao papel da mulher na sociedade. Apenas 13% dos brasileiros concordam com a frase ¿O lugar da mulher é em casa¿. Entre os europeus, a proporção é de 9%, enquanto na China alcança 64%. De tão liberais, cariocas e paulistas se declaram subjugados ao poder ultrajovem: metade dos entrevistados admitiu que é difícil dizer não aos filhos ¿ na Europa, 30% estão na mesma situação.

O que envergonha o único futuro líder mundial latino-americano são os indicadores educacionais. Segundo o Ibope, 45% dos brasileiros entrevistados estudaram no máximo até a oitava série. Nos três demais países, o percentual oscila entre 1% e 2%.

¿ É um indicador que nos envergonha. Os pesquisadores ingleses chegaram a duvidar da informação. É uma pena estarmos tão atrasados num tema tão fundamental para atrair investimentos ¿ disse Lobl.

A China surpreendeu pela parcela alta de população com computador em casa, telefones móveis e acesso à internet. Seis em cada dez chineses das três maiores metrópoles têm computador. A marca é o dobro da registrada entre os brasileiros de Rio e São Paulo. Na Índia, famosa pela indústria de softwares, a proporção está em 10%.

Em contrapartida, há poucos chineses com carros (7%), enquanto no Brasil o percentual é de 44% e na Rússia, 32%. No entanto, é na ex-república soviética que a democratização da informática é mais acelerada: 25% dos entrevistados compraram PCs nos últimos 12 meses.

Os autores do estudo explicam que, do ponto de vista mercadológico, nem sempre ter alto índice de acesso a bens é bom. A Índia, por exemplo, torna-se um mercado atraente não apenas pelo tamanho de sua população ou pelo baixo índice de lares informatizados, mas pela velocidade de crescimento de consumo no período recente. Na China, só 4% dos entrevistados compraram computadores no último ano. Significa propensão menor ao consumo.

A pesquisa também investigou a afinidade dos consumidores com a mídia. No Brasil e na China, um quinto dos entrevistados acessa a internet diariamente. Lá 75% assistem à TV por três horas ou mais. Difícil é romper a barreira da língua: chineses (e indianos) preferem produções locais e em suas línguas nativas. Entendeu?