Título: RESTRINGINDO O HOMEM DAS DECISÕES
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Fonte: O Globo, 01/07/2006, O Mundo, p. 32

Finalmente. Parecia ser demais esperar por isso, mas a Suprema Corte finalmente chamou George W. Bush e fez a pergunta óbvia: ¿Que parte do `cumprimento da lei¿ o senhor não entendeu?¿

A Justiça rejeitou as cortes que o governo planejou para os presos que são mantidos há anos sem acusação formal na Baía de Guantánamo ¿ procedimentos engendrados para terem a aparência de um processo mas não sua substância. A sentença é um conjunto complicado e cheio de nuances de concordâncias e divergências que levará algum tempo para ser digerido, mas a mensagem fundamental é clara: apesar de suas afirmações escandalosas de poder presidencial virtualmente ilimitado, o auto-proclamado Homem das Decisões não pode decidir tudo.

A sentença não tem impacto imediato sobre os cerca de 450 detidos em Guantánamo, sem acusação legal ou caminho legítimo para contestar sua prisão. O governo provavelmente aproveitará o tempo pela frente para propor um novo processo que cumpra as exigências da Corte. No fim, no entanto, os prisioneiros terão que ter seu dia no tribunal ou serem libertados. Espero que isso aconteça antes que mais deles se enforquem.

Ironicamente, a decisão veio no caso de um homem que o governo parece ter boas razões para deter. Salim Ahmed Hamdan, o queixoso, é um iemenita que teria sido motorista e guarda-costas de Bin Laden. Eu adoraria saber quem andou com Bin Laden, aonde o líder da al-Qaeda ia, que conversas Hamdan ouviu. Relutaria em deixar alguém tão próximo de Bin Laden sair de meu alcance.

Mas se quisesse detê-lo indefinidamente, teria que apresentar minhas razões em algum tipo de procedimento legal autêntico. A Suprema Corte tentou deixar isso claro em 2004, quando rejeitou as alegações do Homem das Decisões de que em tempos de guerra ele poderia deter quem ele desejasse por quanto tempo quisesse.

A resposta do governo foi planejar os tribunais militares para os detidos.

Talvez o maior impacto da sentença seja rejeitar a alegação de Bush de que a necessidade de travar a ¿guerra global contra o terror¿ lhe dá poderes extraordinários que vão além da jurisdição dos tribunais. A sentença lembra a ele ¿o dever da corte, na guerra e na paz, de preservar as salvaguardas constitucionais da liberdade civil¿. Bush ouviu que ainda é um presidente, não um imperador.

A corte fez ainda uma importante declaração sobre o dever dos EUA em relação à lei internacional. Os tribunais militares, como planejados pelo governo, violam o Código Uniforme de Justiça Militar e a Convenção de Genebra. Em outras palavras, o Homem das Decisões estava errado ao decidir que a Convenção de Genebra não se aplicava aos suspeitos de pertencerem à al-Qaeda. Estava errado ao afirmar que os EUA não tinham que respeitar acordos internacionais que prometera obedecer.

Isso se aplica à tortura? Às prisões secretas da CIA?

Parece ser demais esperar por isso.

EUGENE ROBINSON é colunista do Washington Post