Título: A SOLUÇÃO PUTIN PARA A CRISE DA POBRE RÚSSIA
Autor: KENNETH ROGOFF
Fonte: O Globo, 02/07/2006, Opinião, p. 7

Pobre Rússia rica em petróleo. Está fazendo força para que levem a sério sua vez de ter um assento na elite dos países do Grupo dos Oito. O presidente Vladimir Putin, tentando talvez dar maior importância à reunião de cúpula de São Petersburgo, em julho, preparou uma agenda ambiciosa. Ele planeja comandar conversações eruditas com seus colegas sobre educação, doenças infecciosas e ¿ para garantir que ninguém pegue no sono ¿ ¿segurança energética¿.

E o que recebe em troca de tanto esforço? Pouca coisa. O governo Bush, na pessoa do vice-presidente Dick Cheney (mas com aprovação explícita de seu chefe), recentemente acusou a Rússia de recair em seus velhos hábitos de ¿império do mal¿. Putin revidou, chamando os Estados Unidos de ¿camarada lobo¿, pronto a agredir qualquer nação que se mostre vulnerável. Parece estar se formando um suspense a respeito da forma como Bush e Putin se cumprimentarão quando se encontrarem em São Petersburgo.

Os europeus, por sua vez, ainda estão histéricos de medo de ficarem no meio da disputa entre Rússia e Ucrânia por gás, que deixou seus dutos vazios durante alguns dias no começo deste ano. Eles acham que discutir ¿segurança energética¿ com a Rússia equivale a discutir segurança aquática com o camarada crocodilo.

Naturalmente, quem quiser ser cruel de verdade pode observar que é absurdo que a Rússia seja membro de um clube que inclui as economias gigantescas de EUA, Alemanha, Japão, Inglaterra, França, Itália e (nem tanto) Canadá. Por que não deram um assento a Hu Jintao, presidente da China, que é a segunda maior economia do mundo (de acordo com preços internacionais), em vez de Putin? Afinal, mesmo com todos os seus recursos energéticos, e mesmo com os preços hoje estratosféricos do petróleo e do gás, a renda nacional da Rússia equivale apenas à Grande Los Angeles.

Talvez Putin precise parar de tolerar críticas e partir para o ataque. Pode começar observando aos seus pretensiosos colegas democráticos que ele é provavelmente mais popular na Rússia do que qualquer um deles em seu respectivo país. Poderia mesmo ganhar uma eleição amanhã (não que ele pretenda correr esse risco). Poucos dos outros podem honestamente dizer o mesmo.

É claro que o sucesso de Putin, nos últimos anos, em liquidar tudo que pareça imprensa livre ¿ e quando um ex-agente da KGB ¿liquida¿ a imprensa livre, não se trata apenas de metáforas ¿ ajudou a silenciar a oposição aberta. Mesmo assim, Putin parece ser genuinamente popular entre pessoas que anseiam por um líder capaz de ancorar seu país sem afundá-lo.

Putin também pode argumentar que a situação fiscal da Rússia é muito mais forte que a dos outros membros do G-8. Sim, é uma boa ajuda que a Sibéria tenha se revelado um imenso poço de petróleo, ficando o governo com grande parte da receita. O presidente Hugo Chávez, da Venezuela, também está equilibrando assim a contabilidade de seu país, por ora.

Mas, para ser justo, nem tudo se resume a petróleo. A maioria dos economistas propõe que os países ricos substituam sua legislação tributária complexa e antiquada por um imposto único baixo, e lamentam que tão poucos países o tenham feito. Mas Putin pôs em prática essa política há alguns anos, e os resultados podem ser classificados de miraculosos.

Naturalmente, os outros líderes do G-8 podem não ter muita simpatia por alguns dos outros métodos usados pela Rússia para resolver problemas orçamentários. A maioria dos países do grupo parece incapaz de alcançar o consenso político de que precisam adotar medidas necessárias como elevar a idade da aposentadoria ou reduzir significativamente a vinculação dos benefícios previdenciários à inflação. Em contraste, a Rússia essencialmente deixou ao abandono seus pensionistas, ao permitir que a inflação corroesse seus ganhos.

De fato, muitos dos idosos na Rússia rural são forçados a se sustentar plantando batatas nos pequenos lotes que o governo permite que cultivem. Isto é, os que sobrevivem: desde a queda do Muro de Berlim, a expectativa de vida dos homens despencou de 65 para cerca de 60 anos. Há indicações crescentes de que o estresse da transição é a principal causa de morte, mais até do que os grandes assassinos da Rússia pós-comunismo, como álcool, homicídios e Aids. Deveria Putin contar a seus colegas que eles também podem equilibrar suas contas entre as gerações matando de fome os mais velhos?

De forma que Putin talvez não deva se gabar das realizações de seu país. Talvez seu melhor plano seja simplesmente deixar que bebam vodca à vontade e esperar que todos saiam sorridentes nas fotos. De qualquer forma, quando Putin disser a seus convidados como podem pagar mais à Rússia para melhorar sua ¿segurança energética¿, poderá finalmente conquistar o respeito por que anseia.

KENNETH ROGOFF é ex-economista-chefe do FMI. © Project Syndicate.