Título: CONGRESSO DE BRAÇOS CRUZADOS
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 02/07/2006, Economia, p. 33

Crise política, Copa e eleições travam projetos essenciais para o crescimento do país

Acrise política e o calendário eleitoral transformaram 2006 em um ano perdido para o Legislativo. Com a Copa do Mundo e as festas juninas, os políticos anteciparam o recesso parlamentar, deixando para trás um conjunto de projetos de interesse da sociedade e do setor produtivo, que dificilmente sairão do papel este ano. Oficialmente, o recesso só começa em 17 de julho, mas a pauta está trancada na Câmara dos Deputados e no Senado por medidas provisórias à espera de votação e deve permanecer assim durante as campanhas que visam às eleições de outubro.

A relação de projetos comprometidos pela paralisia do Congresso vai desde a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas ¿ que tem potencial para tirar da informalidade quatro milhões de empresários ¿ até um pacote de medidas para melhorar a segurança nos presídios e combater a criminalidade. Aprovado em regime de urgência na Câmara, após os conflitos que deixaram mais de cem mortos em São Paulo, o pacote dificilmente será votado pelo Senado este ano.

Base governista não impôs agenda

Projeto de interesse do setor produtivo, a Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas está pronta para ser votada no plenário da Câmara, mas não poderá ser apreciada antes da votação de quatro medidas provisórias e seis projetos de lei com regime de urgência que têm prioridade. Já a regulamentação dos setores de gás e de saneamento, estratégicos para a atração de investimentos, está paralisada em comissões no Congresso, sem chance de avançar.

¿ A Lei Geral é um projeto prioritário na agenda da governabilidade. A combinação de crise política, campanha eleitoral e as dificuldades de coordenação do governo estão impedindo que a agenda do Congresso avance ¿ lamenta o diretor-executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Coelho Fernandes.

Com a base atingida pela crise política e os escândalos do Valerioduto, o governo não teve força para impor sua agenda ao Congresso, que permaneceu dominado pelas CPIs durante todo o primeiro semestre.

¿ Não houve a mínima articulação do governo para viabilizar os projetos estruturantes ¿ observa o gerente-executivo adjunto da Confederação, Godofredo Diniz.

Para o gerente de Políticas Públicas do Sebrae, Bruno Quick, que acompanhou toda a negociação da Lei Geral na Câmara, a paralisia compromete ainda mais a imagem já desgastada do Congresso.

¿ O projeto da Lei Geral foi negociado, fechado e obstruído. Trata-se de uma questão política de fundo que não tem mais a ver com a lei. É muito chato ver o Congresso agindo dessa forma ¿ afirma.

Desarticulado, o governo tem grande dificuldade para aprovar as propostas que considera importantes e amargou algumas derrotas em votações na Câmara e no Senado. A mais recente foi a MP dos Domésticos, cujo texto final aprovado pelo Congresso aumentou os encargos para a classe média em vez de reduzi-los, como queria o governo, incentivando a formalização e a geração de empregos.

O cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), observa que os anos eleitorais são normalmente mais curtos para o Legislativo, já que os políticos estão voltados para suas bases e perdem o interesse em projetos nacionais. Mas em 2006 os resultados são piores em decorrência da crise política e do monopólio das CPIs sobre a agenda legislativa:

¿ O Congresso esteve movimentado, mas o que predominou foi a disputa para antecipar a batalha eleitoral. Houve uma polarização entre governo e oposição fora do comum para os padrões do Legislativo.

A antecipação e o acirramento da disputa eleitoral, na visão de Barreto, geraram uma crise aguda de governabilidade, impedindo qualquer conciliação para a construção de uma agenda de projetos suprapartidária.

O presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), reunirá os líderes da Câmara e do Senado na terça-feira para uma última tentativa de acordo que permita desobstruir a pauta trancada por MPs e projetos de lei com regime de urgência, mas o próprio governo não demonstra muito interesse em avançar nas votações, já que tem pela frente mais duas armadilhas à sua espera, criadas pela oposição.

MPs são armadilhas para o governo

Na Câmara, está em discussão a MP 291, que autorizou o reajuste de 5% para os aposentados que recebem acima de um salário-mínimo. A oposição já se prepara para aprovar uma emenda e corrigir as aposentadorias pelo mesmo percentual do piso (16,67%), forçando o presidente Lula a vetar o reajuste para não ampliar ainda mais o déficit da Previdência.

No Senado é a MP 288 que obstrui a pauta de votações, com outras quatro medidas. Ela reajustou o mínimo em 16,67%, mas recebeu uma emenda aprovada na Câmara que estende esse reajuste para todas as aposentadorias. Assim, o presidente Lula terá que vetar mais uma vez o reajuste maior para os aposentados, o que será largamente explorado na campanha eleitoral.

Com tanta confusão política e os parlamentares em ritmo de campanha eleitoral, só está mesmo garantida a votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que estabelece as regras para a elaboração do Orçamento de 2007. Sem que a lei seja aprovada, o Congresso não pode entrar oficialmente em recesso.