Título: NOVA ARMADILHA NAS DÍVIDAS BANCÁRIAS
Autor: Nadja Sampaio
Fonte: O Globo, 02/07/2006, Economia, p. 42

Instituições passam a usar a Cédula de Crédito Bancário, que permite a penhora de bens do devedor

É como se o consumidor estivesse dando um cheque em branco para o banco. Essa é uma forma de exemplificar o que é a Cédula de Crédito Bancário (CCB), aprovada pela lei 10.931/2004, que as instituições financeiras já estão utilizando na renegociação de dívidas. Quando o consumidor assina uma CCB ele pode, sem saber, estar caindo em uma armadilha difícil de sair: a instituição tem o direito de penhorar qualquer dos seus bens se ele atrasar três prestações, não pode mais discutir o contrato original e a CCB pode ser negociada com terceiros. A saída é ler qualquer contrato com cuidado antes de assinar.

Paulo Maximilian, coordenador da área bancária do escritório Chalfin, Goldberg e Vainboim Advogados Associados, que presta serviços para os grandes bancos públicos e privados e é professor de direito do consumidor, explica que a CCB é uma promessa de pagamento em dinheiro e vem sendo utilizada por bancos e financeiras na repactuação das dívidas com os consumidores. Ela pode abarcar qualquer espécie de crédito (cheque especial, Crédito Direto ao Consumidor, financiamento de carro e de imóvel, cartão de crédito).

¿ A CCB substitui, com enormes vantagens para a instituição financeira, a nota promissória, pois trata-se de um título executivo extrajudicial, ou seja, o banco pode, sem entrar com uma ação na Justiça para cobrar a dívida, partir direto para a ação de execução. Além disso, com a CCB, os bancos podem cobrar a capitalização de juros em qualquer prazo, além de honorários extrajudiciais de 10%, multas e mora. E, quando o consumidor assina uma CCB, não pode mais discutir, judicialmente, qualquer cláusula do contrato inicial ¿ explica Maximilian.

O advogado observa que a lei 10.931/2004 vem sacramentar uma tendência nas decisões judiciais:

¿ Nas discussões judiciais sobre se os bancos podem cobrar juros de mercado, ou capitalização de juros, em 2003 os bancos perdiam todas as ações; em 2004, começaram a ganhar algumas; e em 2005 os bancos viraram o jogo e passaram a ganhar quase todas as ações.

Banco tem de esclarecer que cliente está assinando uma CCB

Fernando Scalzilli, presidente da Associação dos Direitos Financeiros do Consumidor (Proconsumer), explica que a instituição financeira tem de deixar bem claro que o consumidor está assinando uma CCB:

¿ Sempre há uma saída jurídica. O consumidor pode questionar na Justiça que não sabia o que estava assinando. Só que, neste caso, o consumidor tem de provar o que diz. É uma ação muito mais difícil. A única maneira de o consumidor se precaver é ler antes o que está assinando.

Scalzilli não acredita que a CCB seja utilizada em empréstimos de valores baixos, porque este é um título que tem de ser assinado por ambas as partes.

¿ O banco ganha dinheiro com cheques especiais, empréstimos e cartões pagos pelo rotativo, quando a dívida é de pequena monta. Nestes casos, os bancos vão preferir continuar com os contratos eletrônicos, mesmo sem garantia de receber. Os bancos nunca perdem dinheiro. Quando o consumidor não paga, a instituição abate estes valores no lucro e baixa a margem do Imposto de Renda. Ou seja, quem paga a inadimplência é o próprio governo. A grande penalidade para o consumidor ¿ diz Scalzilli. ¿ é ter seu nome inscrito no SPC e na Serasa. Mas o banco só pode se negar a abrir uma conta se o consumidor estiver inscrito na lista negra do Banco Central por emissão de cheque sem fundo.

Mariana Mibielli, do escritório Bulhões, Mibielli e Advogados Associados, lembra que a CCB não é um contrato de adesão e, portanto, certas cláusulas podem ser pactuadas:

¿ Para negociar neste nível, o consumidor tem de consultar um advogado, porque dificilmente o banco vai querer retirar as cláusulas que o permitem ganhar nos juros.

Amauri Bellini, conselheiro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Ibedec), ressalta que outra grande vantagem para as instituições financeiras é que essas cédulas são negociáveis com terceiros, como se fossem créditos ao portador.

¿ O banco pode vender as CCBs para outras instituições, que então fariam a cobrança. Como acontece hoje com os cheques pré-datados, negociados com outros bancos. A CCB representa uma dívida em dinheiro e a garantia pode ser pessoal, o que significa que todos os bens do devedor, incluindo bens de família e a única moradia, podem ser arrestados ¿ explica.

Bellini diz que, na área imobiliária, a CCB já está sendo utilizada e daqui por diante a lei 10.931 é que vai regular o mercado.

¿ Antes da lei, para evitar o arresto e leilão dos imóveis, argumentávamos judicialmente que o imóvel tinha recebido benfeitorias e o valor não era mais o que constava no contrato. Esse argumento não vai valer mais porque a lei diz que o imóvel é a própria garantia do empréstimo, abrangendo benfeitorias e acessórios.