Título: POLARIZAÇÃO INÉDITA NO MÉXICO
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 02/07/2006, O Mundo, p. 43

País escolhe hoje presidente, dividido entre duas forças radicalmente antagônicas

Orgulhosos por terem finalmente conseguido, seis anos atrás, acabar com a virtual ditadura do Partido Revolucionário Institucional (PRI) ¿ tristemente famoso por administrações corruptas ¿, os mexicanos retornam às urnas hoje tentando consolidar a sua nascente democracia.

¿ Passamos de um sistema de partido único a um autêntico sistema de partido; de eleições sem concorrência à autênticas eleições ¿ disse, com indisfarçável satisfação, o conselheiro do Instituto Federal Eleitoral, José Woldenberg.

Há, no entanto, uma nervosa apreensão no ar. O motivo é que desta vez existe uma intensa polarização. Embora haja cinco candidatos à Presidência, para um mandato de seis anos, a real disputa é entre duas forças radicalmente antagônicas. E já se sabe que o vencedor não contará com maioria no Congresso, que também se renovado hoje: as pesquisas indicam que Câmara e Senado serão repartidos em três partes praticamente iguais.

¿ Desde que acabou o império do PRI o México está politicamente estancado, pois os três grandes partidos se recusam a chegar a um consenso. Não há um acordo geral sobre a criação de riqueza, do crescimento econômico e do emprego, ou como modernizar o setor da energia, como combater a pobreza e a desigualdade, e como viver num mundo globalizado ¿ disse o historiador Enrique Krauze.

A disputa está entre Felipe Calderón, do Partido Ação Nacional (PAN), do presidente Vicente Fox, e Andrés Manuel López Obrador, do Partido Revolucionário Democrático (PRD). O primeiro promete modernizar o país, recuperar a economia e atrair investimentos estrangeiros. O outro, de esquerda, cativou multidões de miseráveis com um discurso populista que produziu calafrios nas classes mais favorecidas ¿ e, em especial, numa boa parte do empresariado.

Temor de distúrbios nas ruas do país

Existe uma grande e incômoda expectativa em relação à apuração dos votos, que deverá estar terminada na manhã de segunda-feira. Se os votos refletirem a acirrada disputa das últimas semanas, a vantagem do vencedor será mínima. Teme-se que uma vitória de Calderón, por margem muito pequena, gere distúrbios nas ruas:

¿ Se Calderón vencer por menos de três pontos, o mais provável é que López Obrador não aceite o fracasso e conteste o resultado nas ruas, nos tribunais, e na arena política. E é difícil saber no que resultaria isso ¿ disse o ex-chanceler Jorge Castañeda.

Outro aspecto que provoca tensão é o de uma clara vitória do candidato esquerdista, que ao longo da campanha foi pintado tanto por Calderón como por Roberto Madrazo, o candidato do PRI ¿ que aparecia num distante terceiro lugar nas pesquisas de opinião ¿ como um personagem assemelhado ao presidente da Venezuela.

Em termos práticos, os simpatizantes de Calderón vêm torcendo para que, no caso da vitória de López Obrador, que ele ¿venha a ser um Lula e não um Hugo Chávez¿, como disse Jorge Chabat, pesquisador e analista político do Centro de Investigação e Docência Econômicas. Segundo ele, a força de López Obrador deriva de duas de suas propostas centrais: a urgência de acabar com a desigualdade sócioeconômica e a urgência de combater a corrupção. E, em sua opinião, Calderón também tem ¿propostas irrefutáveis¿, como a da criação de mais empregos, e fazer do México um país de leis que sejam respeitadas.

¿ Há argumentos para apoiar ou rechaçar qualquer dos dois candidatos. As dúvidas sobre a capacidade de gestão de ambos são uma sombra que paira sobre eles. No fim das contas, a decisão de votar se dá com base no que uma pessoa acredita. E aqui, neste país, as pessoas crêem em tantas coisas... ¿ disse Chabat.

Ambos candidatos estão tecnicamente empatados, pois López Obrador leva vantagem de dois pontos percentuais nas pesquisas, que têm uma margem de erro de três pontos.