Título: `Uma assembléia plural¿
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 02/07/2006, O Mundo, p. 44

BUENOS AIRES. A eleição de hoje dará continuidade a um processo de profundas mudanças políticas e culturais que começou com as primeiras manifestações indígenas, em 1990. Essa é a opinião do professor de Ciência Política da Universidade Maior de San Andrés, Roger Cortéz, especialista no assunto.

O que pode mudar na Bolívia depois da eleição?

ROGER CORTÉZ: Será aprofundando o processo de mudanças que começou há vários anos no país. Que começou com as primeiras manifestações indígenas no início da década de 90 e já conseguiu eleger um governo que representa as maiorias tradicionalmente excluídas, modificar a administração dos recursos naturais e das terras do país e alterar o modelo econômico. A Constituinte vai dar continuidade a esse processo.

Que iniciativas certamente serão debatidas pela assembléia?

CORTÉZ: Em princípio, a assembléia deverá discutir a questão da terra e resolver o profundo desequilíbrio que existe no país. Na região oriental do país, que representa 70% de nosso território, cerca de 80% da terra estão em mãos de menos de 20% da população. Em relação aos recursos naturais, a assembléia deverá encontrar maneiras para evitar que futuros governos alterem decisões adotadas para proteger nossos recursos naturais. Outro dos aspectos centrais do debate será a necessária reforma do Estado. É importante que tenhamos um Estado intercultural. A maioria dos bolivianos deve ser representada pelo Estado.

O MAS do presidente Evo Morales vai enfrentar antigos rivais, como a conservadora aliança Poder Democrático e Social (Podemos), do ex-presidente Jorge Quiroga (2001-2002), e Unidade Nacional (UN), do empresário Samuel Doria Medida, que terão representantes na assembléia. Será uma convivência difícil?

CORTEZ: A assembléia terá 255 membros que deverão elaborar um projeto de Constituição a ser ratificado pelo voto popular. O sistema de distribuição de cadeiras é muito generoso com as minorias. Nem com 90% dos votos o governo terá o controle de dois terços dos votos. Será uma assembléia plural e representativa. A busca do consenso será essencial para elaborar a nova Constituição.

Além do pedido de autonomia, que outras reformas a assembléia poderia aprovar?

CORTEZ: Aqui está em jogo uma reforma política e administrativa no país. Caberá à assembléia decidir que tipo de autonomia será aprovado, como funcionarão estas autonomias. Também serão discutidas reformas nas Forças Armadas, no relacionamento com a Igreja, nas universidades, nos partidos políticos, na polícia.

Quantas reformas constitucionais já foram realizadas na Bolívia?

CORTEZ: O país já teve 19 reformas constitucionais desde a primeira Constituição, de 1826. Da primeira Constituinte participaram 40 representantes, todos homens e mestiços. Nenhuma mulher ou indígena. Hoje, 180 anos depois, temos uma assembléia mais numerosa, com alta participação de mulheres e indígenas.