Título: CAMUFLAGEM
Autor: JOÃO TANCREDO
Fonte: O Globo, 03/07/2006, Opinião, p. 7

Algumas questões não são lembradas ou são camufladas. Um exemplo disso são os relevantes números de acidentes de trabalho, que ocorrem nas empresas que, cada vez mais, utilizam-se da terceirização e até mesmo da quarteirização para contratar pessoal.

O agravante desse sistema é que precisa da reflexão de toda a sociedade e o fato de muitas empresas terceirizadas não terem a mínima qualificação para preencher as vagas que exigem determinadas especializações, devido ao alto grau de periculosidade, existentes em algumas atividades. Como exemplo, podemos citar as áreas petrolíferas e de energia elétrica, que têm se apresentado como as maiores responsáveis pelo aumento quantitativo de acidentes no trabalho.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), somam 1,3 milhão os acidentes do trabalho no Brasil por descumprimento de normas básicas de proteção dos trabalhadores. Além disso, existem os casos de doenças profissionais registradas. Números e dados que não levam em conta os trabalhadores informais, que não são contabilizados.

Há ainda o estresse, os baixos salários, o assédio moral entre outras reais perversidades que também não são consideradas pelos órgãos competentes que avaliam a situação do trabalhador. Se assim fizessem, certamente os números cresceriam, pois a filosofia de certas empresas beira ao tratamento desumano. As excessivas horas de trabalho, com uma pressão intensa para a produtividade não cair, também não tem considerado o valor do ser humano.

De acordo com a CUT de Minas Gerais, por dia são cerca de cinco mil mortes em todo o mundo. Segundo a central, a cada minuto três vidas são perdidas, sendo números equivalentes ao dobro das baixas ocasionadas pelas guerras e maior do que as perdas provocadas pela Aids. Os acidentes típicos de trabalho são 350 mil e outros 340 mil estão ligados às doenças relacionadas a ele.

Há mais de 10 anos, o dia 28 de abril foi instituído (1995) pelo movimento sindical do Canadá, como o Dia Internacional das Vítimas de Acidentes do Trabalho e de Doenças Profissionais, mas no Brasil a data ainda não faz parte do calendário oficial de atividades da área de segurança e saúde no trabalho.

Em verdade, o fato é que não podemos ignorar os números, e a conscientização de prevenção e as denúncias de más condições de trabalho devem ser constantes, pois elas resultam nos altos índices de doenças, mortes, entre outros danos aos trabalhadores. Segundo dados da Previdência Social, em 2004 foram notificados quase 500 mil acidentes, números alarmantes demais para serem ignorados.

A falsa impressão que temos é que essa realidade está bem distante. Mas precisamos ter a consciência de que a probabilidade de acidente no local de trabalho é inerente a todos. Assim, a sociedade deve lutar incansavelmente pela igualdade dos direitos trabalhistas e por condições dignas de trabalho.

JOÃO TANCREDO é advogado.