Título: MARIONETES
Autor: SILVINA ANA RAMAL
Fonte: O Globo, 03/07/2006, Opinião, p. 7

¿Vou ficar aqui para pescar um pouco.¿ A frase, em tom de brincadeira, foi dita por um líder de ONG, num dos intervalos do recente encontro do Grupo de Institutos Fundações e Empresas (Gife), entidade que reúne empresas privadas que financiam projetos sociais. Ali pude encontrar muitos amigos e conhecidos dirigentes de ONGs e movimentos sociais cuja presença é quase obrigatória nesse evento, assim como em qualquer outro lugar onde possam fazer contato e estabelecer relacionamentos com potenciais financiadores de projetos.

As ONGs dependem cada vez mais dos financiadores do setor privado: grandes empresas, elevadas fortunas que tenham sensibilidade para os problemas sociais a ponto de transferir recursos para as organizações que procuram solucioná-los.

No entanto, os financiadores não querem apenas viabilizar sozinhos os projetos: exigem que o financiado tenha outras fontes, outras empresas apoiando. Uma ONG hoje, para ser considerada sólida, deve ter muitos logos de grandes empresas em seu site, pessoas de renome em seu conselho diretor.

O resultado: muitos líderes sociais à espreita de representantes de grandes empresas em encontros como o do Gife. Dispostos a dar visibilidade ao financiador, e muitas outras concessões em troca de sua sobrevivência. Uma verdadeira disputa entre líderes sociais pela atenção e apreço dos representantes de empresas.

O novo sistema de financiamento pode tornar as ONGs, de certa forma, reféns do capital. Se é preciso obter fundos com empresas privadas e grandes fortunas, é preciso abrandar o discurso, procurar alinhamento, pontos em comum.

Essa aproximação entre o setor privado e o setor social pode ser perigosa e promíscua, e por isso deve dar-se com muito cuidado, pois pode trazer prejuízos ou benefícios, dependendo de como seja conduzida.

O relacionamento entre o setor privado e as organizações sociais pode criar marionetes, financiadas pelos empresários, que construam e mantenham projetos sociais cujo objetivo principal é servir aos interesses de marketing das empresas e compensar a culpa das famílias ricas.

Se bem conduzido, e dando espaço a todos aqueles que desejam um processo efetivo de mudança, por compartilhar os mesmos valores, poderá resultar num novo tipo de sociedade, onde as ideologias, o antagonismo entre capital e trabalho, dêem lugar a uma construção coletiva e inclusiva, que contemple os interesses e necessidades de todos.

SILVINA ANA RAMAL é presidente da Pro-Social.