Título: DO RANCHO PARA A BOCA DO CAVALO
Autor: Sérgio Ramalho
Fonte: O Globo, 03/07/2006, Rio, p. 9

PM comprou capim com R$657 mil que eram destinados a alimentar policiais

Uma nota de empenho revela que a Polícia Militar gastou R$657 mil, destinados originalmente à alimentação dos policiais, para comprar capim para cavalos. O documento da Diretoria Geral de Apoio Logístico (DGAL) mostra que a corporação pagou, em fevereiro do ano passado, R$0,75 por quilo de capim verde, preço três vezes superior ao de mercado, em valores atuais.

O empenho número 506/0373-E-0258, assinado pelo coronel Samuel Dias Dionízio, ordenador de despesas da DGAL, autorizou a retirada do valor, pago à firma A Capineira Indústria e Comércio de Forragens, da conta das Economias Administrativas da Corporação (EAC). O uso de recursos da caixa de alimentação para quitar a dívida dificulta a fiscalização do uso do dinheiro. O pagamento não está registrado no Sistema de Administração Financeira do Estado (Siafem).

Coronel afirma que solicitou auditoria

O Siafem é um cadastro geral de todos os pagamentos feitos pelo estado e valores altos como o empenho de R$657 mil para a Capineira só poderiam ser liberados se estivessem registrados. Comandante-geral da Polícia Militar, o coronel Hudson de Aguiar Miranda afirma que há dispositivos legais que permitem o emprego de recursos da conta da caixa de alimentação para compras emergenciais. Com relação ao valor pago pelo quilo de capim, o oficial garantiu que o processo será investigado.

¿ Solicitei, por ofício ao Tribunal de Contas do Estado (TCE), que um técnico realize uma auditoria nos processos de licitação feitos pela PM no ano passado. Esse trabalho já foi iniciado pelo coronel Antônio Camilo de Faria. Quero transparência e garanto que tudo será esclarecido. Caso alguma irregularidade seja confirmada, o responsável será identificado e punido ¿ assegurou o coronel.

Para deputado, frota foi desrespeitada

Para o presidente da Associação de Policiais Militares e Bombeiros (Assinap), Miguel Cordeiro, o uso de recursos da caixa de alimentação para outros pagamentos caracteriza uma irregularidade.

¿ É crime o desvio de finalidade do dinheiro do rancho dos policiais. O resultado desse tipo de atitude pode ser medido pela qualidade da refeição servida no rancho dos policiais. Agora, cabe ao Ministério Público investigar esses desvios ¿ disse Cordeiro.

O presidente da Associação de Policiais Militares defendeu ainda uma investigação externa das contas da PM.

¿ É preciso haver isenção para investigar a fundo as licitações feitas pela PM no ano passado. Esse é um processo que não pode ser feito por oficiais que integram a atual cúpula da corporação ¿ argumentou Cordeiro.

Oficial da Polícia Militar, o deputado estadual Paulo Ramos (PDT) classificou o emprego do dinheiro do rancho na compra de capim como um desrespeito à tropa:

¿ Não é à toa que os policiais odeiam o rancho. Além de gastarem um valor irrisório na alimentação dos PMs, agora descobrimos que eles ainda usam a sobra do dinheiro para alimentar os cavalos. O TCE tem representantes dentro das inspetorias da Polícia Militar e pode coibir esse tipo de irregularidade ¿ disse o deputado Paulo Ramos.

Além do uso de dinheiro da caixa de alimentação e dos indícios de superfaturamento, o contrato com a Capineira Indústria e Comércio de Forragens revela que a empresa aponta dois endereços como local da sede. O primeiro, na Avenida Canal de Guandu, em Santa Cruz. Repórteres do GLOBO estiveram no local e ouviram moradores, que negaram conhecer a empresa. No lugar indicado há apenas mato, algumas casas e pequenas propriedades rurais.

No Siafem consta outro endereço da Capineira, em Magalhães Bastos, mas lá também não há sequer uma filial. Na verdade, o endereço é de um apartamento onde mora a filha de um dos sócios da empresa, Antônio Francisco Gomes Sobrinho. Procurado diversas vezes pelo GLOBO, Antônio Francisco não retornou as ligações.