Título: CHACINA NA GUERRA DO TRÁFICO
Autor: Taís Mendes/Gustavo Goulart/Antônio Werneck/Jorge
Fonte: O Globo, 05/07/2006, Rio, p. 14

Polícia encontra 14 corpos que podem ser de vítimas de briga interna na quadrilha do São Carlos

Uma disputa interna pelos pontos de venda de drogas nos morros do São Carlos, no Estácio, e do Querosene, no Rio Comprido, pode ter deixado um rastro de pelo menos 18 mortos. Catorze corpos já foram encontrados. Oito deles, crivados de tiros de fuzis, foram deixados na madrugada de ontem dentro de dois carros no Engenho Novo. Outras duas vítimas já tinham sido encontradas dentro de um carro anteontem, perto do Teleporto, e mais duas apareceram ontem dentro de carros na Rua Itapiru, no Catumbi. Mais dois cadáveres foram achados de manhã no Canal do Mangue, em frente ao Sambódromo. A polícia ainda procura outros quatro corpos. Segundo o chefe de Polícia Civil, Ricardo Hallack, até agora só foi confirmada a ligação de dez vítimas com a disputa entre os criminosos.

A guerra começou no sábado. Traficantes do Morro de São Carlos, no Estácio, descobriram um plano de bandidos de sua própria facção, abrigados no Morro do Querosene, que pretendiam assumir o controle das bocas-de-fumo da área com o apoio de criminosos da Rocinha.

O grupo do São Carlos recebeu a ajuda de marginais do Morro dos Macacos, em Vila Isabel, para onde fugiram bandidos acusados de traição. Pelo menos duas das oito vítimas deixadas no Engenho Novo estavam no Macacos quando foram mortas. A chacina foi comandada pelo traficante Tiago dos Santos Teixeira, o Coelho, de 21 anos, que chefia o tráfico nos morros do São Carlos, do Querosene e da Coroa. Contra ele há quatro mandados de prisão por tráfico e roubo. As execuções tiveram a aprovação de Edmilson Ferreira dos Santos, o Sassá, que controla, de dentro do presídio Bangu I, o tráfico em vários morros do Rio.

Corpo no Mangue estava preso a pedra

William dos Santos, de 22 anos, morador do São Carlos, estava entre os mortos deixados nos carros na Rua Grão-Pará, no Engenho Novo. Parentes de William contaram que ele estava escondido no Morro dos Macacos.

- Está acontecendo uma briga entre os dois chefes do São Carlos. Meu sobrinho, com um deles, foi se esconder no Morro dos Macacos. Ele ligou na noite do crime para contar que se escondeu numa casa e que estava sendo bem tratado. Mais cedo, já tinha mandado buscar a mulher e os dois filhos. Na noite de ontem (anteontem), ele e o outro rapaz foram levados por homens armados e apareceram mortos dentro dos carros - contou uma tia da vítima.

Os outros mortos deixados no Engenho Novo, todos moradores do São Carlos, são Alexsandro de Jesus Justino, de 19 anos; Sérgio da Silva Fonseca, de 26; Luiz Claudio Gonçalves, de 24; Cleiton Oliveira Martins, de 22; Carlos Eduardo Gomes Reimoso, de 24; e Wallace Barbosa, de 14. A oitava vítima ainda não foi identificada. Os dois carros usados para abandonar os cadáveres tinham sido roubados mês passado, perto do Morro dos Macacos. Segundo testemunhas, os veículos foram deixados na Rua Grão-Pará por cerca de 15 homens, armados de fuzis e pistolas, que estavam em carros e motos.

- A ação foi rápida e eles falavam alto. Depois deixaram o local em alta velocidade - contou um morador.

Os corpos de dois homens jogados no Mangue ainda não foram identificados. Ambos estavam dentro de sacos, em posição fetal e enrolados por fitas adesivas. Um deles estava com os pés e as mãos atadas, também por fitas, e amarrado a uma pedra. Segundo o diretor do Instituto Médico-Legal, Roger Ancilotti, os corpos estavam submersos há cerca de 72 horas. O trabalho de remoção dos cadáveres chamou a atenção de quem passava pela Avenida Presidente Vargas, na hora do almoço. Muitas pessoas chegaram a estacionar seus carros e a saltar dos ônibus. Por causa da curiosidade, motoristas desatentos quase provocaram acidentes.

Confrontos internos e com quadrilhas rivais levam pânico à população

Ao lado do Centro e de importantes ligações para a Zona Sul, como o Túnel Santa Bárbara e o Elevado Paulo de Frontin, o complexo de favelas do São Carlos é uma das regiões mais conflagradas da cidade. Pelo menos dez comunidades compõem o complexo, entre elas São Carlos, Mineira, Zinco e Querosene. O morro abrange os bairros do Rio Comprido, do Estácio e do Catumbi. Símbolo do medo que tomou conta da região é a Rua Itapiru, no Catumbi. A via separa as favelas do Querosene e da Mineira dos morros da Coroa e do Fallet e constantemente fica em meio ao fogo cruzado de traficantes rivais. O roubo de carros é outra preocupação constante na rua, que cada vez mais é evitada por motoristas. O complexo fica próximo ainda a importantes prédios públicos, como o centro administrativo da prefeitura, os presídios da Rua Frei Caneca e o Hospital da Polícia Militar, além do sambódromo.

Desde o início do ano, esta foi a segunda guerra do tráfico no Complexo de São Carlos. Em 17 de março, o traficante Gilson Ramos da Silva, o Aritana, então chefe do tráfico, foi morto pela polícia, o que deflagrou uma disputa interna pelo venda de drogas. A polícia pôs 50 PMs para ocupar o morro por tempo indeterminado. O comércio nas imediações do morro ficou parcialmente fechado.

Aritana, morto por policiais do Bope e do 1º BPM (Estácio), assumiu o controle do morro após a morte de Irapuan David Lopes, o Gangan, em 2004. Gangan já expandia seus negócios para várias outras favelas. Com a morte de Luciano Barbosa, o Lulu da Rocinha, na guerra com a quadrilha de Eduíno Eustáquio, o Dudu, Gangan deu proteção aos traficantes e passou a abastecer a favela de drogas. Gangan tomou à força o tráfico no Morro do Zinco em novembro de 2003, depois que seis jovens que iam para sua festa foram fuzilados no morro rival. O motorista da van errara o caminho.

Tiroteio em Vila Isabel deixa um ferido

Confronto aconteceu após operação da PM no Morro dos Macacos e fechou rua por dez minutos

Uma troca de tiros envolvendo policiais militares e traficantes do Morro dos Macacos, ontem ã tarde, em Vila Isabel, em frente à Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), deixou um homem ferido e as fachadas de dois prédios perfuradas por balas. O confronto começou por volta das 15h, logo depois que policiais do 6º BPM (Tijuca) deixaram o morro após uma operação para prender traficantes, na qual teriam morrido dois homens suspeitos de envolvimento com a venda de drogas. A polícia informou que bandidos do São Carlos estariam escondidos no Morro dos Macacos.

Do alto do morro, criminosos armados com fuzis e pistolas atiraram contra os policiais, que estavam na Rua Visconde de Santa Isabel. Os PMs revidaram e durante 15 minutos, com pequenos intervalos, os dois lados atiraram. Um homem que tomava café numa lanchonete na esquina das ruas Luiz Guimarães e Visconde de Santa Isabel foi baleado no pé direito. Antes de atingi-lo, a bala perfurou a lataria de um Gol.

Durante o confronto, o trânsito na Rua Visconde de Santa Isabel chegou a ser interrompido por dez minutos. Alunos de duas escolas no principal acesso ao Morro dos Macacos procuraram abrigo. No edifício Almirante Isaías de Noronha, no número 265 da Visconde de Santa Isabel, a fachada, que já tinha marcas de balas, ganhou pelo menos mais oito. Na fachada de uma barbearia, ao lado do prédio, foram parar quatro balas.

- Quero me mudar deste prédio há muito tempo. Mas ninguém quer comprar meu apartamento. Há tiroteio aqui todo dia - disse uma moradora.

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