Título: POR QUE CAIU O MINISTRO?
Autor: FABIO SILVEIRA e MARCEL PEREIRA
Fonte: O Globo, 06/07/2006, Opinião, p. 7

Imaginemos qual seria o tamanho de uma grande catástrofe financeira. Tomemos como base um exemplo clássico: a debacle da economia americana após o crash da Bolsa de Nova York em 1929, quando o nível de atividade recuou 66,6% e houve uma deflação dos preços ao consumidor de 29,3% acumulados num intervalo de apenas quatro anos (1930-1933). Frente a tamanha deflação de preços, o estímulo à produção simplesmente desaparece. Desemprega-se mão-de-obra aos milhões, reduzem-se o consumo e a arrecadação, seca-se o nível de investimentos, a economia pára.

A lavoura brasileira de grãos está vivendo experiência semelhante. A receita do setor sofreu a cavalar retração de 33% no intervalo de apenas 24 meses! Em 2004, a receita do agronegócio de grãos era de R$71 bilhões. Este ano, mal deverá atingir o patamar de R$47 bilhões. Não é para menos. Nos últimos doze meses, os preços de grãos no atacado, segundo a FGV, registraram a dramática queda de 21% em apenas 12 meses. Bom para o consumidor urbano, que viu a redução do preço dos alimentos aliviar seu orçamento, mas péssimo para o futuro da agricultura brasileira que, por exigência da natureza, precisa plantar hoje para poder colher no ano seguinte. Jamais um setor no Brasil havia vivenciado deflação tão intensa, comparável à da Grande Depressão nos EUA.

De que modo os produtores agrícolas se lançarão ao plantio da próxima safra de grãos? O produtor está preso por um "efeito pinça" que o agarra pela valorização do real frente ao dólar, enquanto, por outro lado, o espeta na estúpida estrutura de custos de insumos agrícolas e de combustíveis que se encontram em nível muito superior à faixa dos concorrentes de fora. O endividamento agrícola explodiu, deixando o agricultor no dilema entre voltar a plantar com prejuízo ou não plantar e não pagar o débito vencido.

O propalado pacote de R$60 bilhões anunciado pelo governo não representa um instrumento de reativação do setor. Uma parcela largamente majoritária desses recursos já circula no sistema nacional de crédito agrícola. Foi por isso que o ministro Rodrigues caiu!

O pacote agrícola que o ministro endossou, da lavra dos colegas da Fazenda, quis espalhar a crença de que uma montanha de "dinheiro novo" havia sido despejada nas mãos da agricultura nacional. Na prática, o que fez o governo? Nada de substancial. O agronegócio havia tido papel fundamental na derrubada recente da inflação e foi um dos que mais contribuíram para a melhora das contas externas do Brasil no triênio 2003-2005. Além disso, o agronegócio de alimentos, com seus preços em queda abrupta, promoverão a "eleição do frango barato" em 2006.

O que mudou? Há dois anos, a soja brasileira, estrela do agronegócio nacional, estava estampada nas páginas oficiais, chamada de "ouro branco". Hoje é tratada friamente, como uma quase desconhecida. Os seus produtores se tornaram "incompetentes aventureiros" num intervalo de menos de dois anos. De súbito, eles teriam perdido a capacidade empresarial de semear, adubar, aplicar defensivos, colher, armazenar e comercializar a produção. Ou teria sido outra a razão do encolhimento das competências do agronegócio?

O setor agropecuário nacional não tem força para derrubar ministro. Rodrigues saiu porque quis sair. Mas por que não quis prosseguir? Quem sabe, no entender dele, as conseqüências impostas pela política econômica teriam passado dos limites. Produtor, professor e líder rural, o ministro Rodrigues desde o início tentou equilibrar o ideal com o possível. Mas suas habilidades de equilibrar pratos foram ultrapassadas. Ele estava preparado para suportar uma recessão setorial, mas jamais subscreveria uma Grande Depressão. Cruzou-se o limiar do sacrifício. O ministro enxergou a morte financeira do setor. Então, elegantemente, passou o bastão. O governo Lula ficou com a batata na mão. O ano de 2007 contará ao povo quem tinha razão.

FABIO SILVEIRA e MARCEL PEREIRA são economistas.

A lavoura de grãos vive hoje uma crise comparável à Grande Depressão dos EUA