Título: UM BENEFÍCIO QUE ABRE AS PORTAS DA CADEIA
Autor: Vera Araujo
Fonte: O Globo, 08/07/2006, Rio, p. 14

Brecha na Lei de Crimes Hediondos provoca enxurrada de pedidos de hábeas-corpus

A saída de William da Silva Lima, o Professor, que fugiu aproveitando-se de um benefício da lei para visita à mãe, a menos de três anos para concluir a pena, reacendeu no Rio uma polêmica entre Ministério Público e a Vara de Execuções Penais, sobre a concessão do direito de progressão de regime a presos considerados perigosos, que cumprem pena por crime hediondo.

Pela Lei 8.072, conhecida como Lei de Crimes Hediondos, de 1990, o preso era obrigado a cumprir integralmente a pena em regime fechado, ou seja, não tinha direito a progressão de regime. Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal ( STF) decidiu, por seis votos a cinco, abrandar a pena no caso de um pastor condenado por pedofilia, concedendo-lhe hábeas-corpus e o direito de pedir à Justiça a progressão de regime. A medida se estendeu aos demais condenados por crimes hediondos, ou seja, eles passaram a requerer o regime semi-aberto depois do cumprimento de um sexto da pena.

Com esta decisão, foi dada a largada no Rio para uma enxurrada de hábeas-corpus em busca do benefício para seus clientes. Levantamento da VEP, feito em maio, revela que 1.213 dos 22.118 presos que cumprem pena no sistema penitenciário teriam direito à progressão de regime, tomando como base o cálculo da pena.

Entre os beneficiados estão Marcelo Soares de Medeiros, o Marcelo PQD do Morro do Dendê; Marco Antônio Pereira Firmino da Silva, o My Thor, chefe do Morro Santo Amaro e mais quatro favelas; Josinaldo Cunha da Silva, o Sapão, do Morro do Vidigal; Márcio Greick Lima dos Santos, da Barreira do Vasco; e John Michael White, preso em 1999, na Barra da Tijuca, durante a Operação Mar Aberto, da Polícia Federal.

Do grupo, o mais violento seria My Thor, conhecido como o bandido da machadinha, por causa da forma como decapitava suas vítimas. Ele participou da rebelião em Bangu I, quando o traficante Uê e outros cúmplices foram assassinados, em 11 de setembro de 2002. Mas o primeiro a requerer o benefício foi o traficante Marcelo PQD. Ele chegou a ficar uma semana no regime semi-aberto, no Instituto Penal Benjamim de Moraes, no Complexo de Gericinó, mas o Ministério Público recorreu da decisão, fazendo com que voltasse para a penitenciária Tenente Alexandre Sarmento, o Bangu III. No presídio anterior, ele poderia sair para trabalhar ou estudar. Segundo o Ministério Público, se não saísse por motivo de trabalho ou estudo, ele deixaria a prisão para visitar um parente. A defesa do traficante já tinha feito o pedido do benefício da Visita Periódica ao Lar (VPL). O término de sua pena está previsto para 18 de março de 2024.

Por conta deste critério objetivo de contabilizar um sexto da pena, os juízes da VEP têm deferido os hábeas-corpus dos apenados, entendendo que a pena cumprida em regime integralmente fechado tem caráter desumano, dificultando a ressocialização do preso.

¿ Todos os presos que, de acordo com os cálculos da pena, têm direito a progressão de regime estão sendo beneficiados. O caso do Belo (o cantor Marcelo Pires Vieira, condenado, em dezembro de 2002, a seis anos de prisão por tráfico de drogas e associação para o tráfico) foi um dos que tivemos de condenado por crime hediondo que ganhou progressão de regime ¿ lembrou o juiz auxiliar da VEP, Carlos Eduardo Carvalho de Figueiredo.

Na opinião do magistrado, a pena tem como objetivo promover o retorno do preso à sociedade:

¿ Se soltar todo mundo que está no cárcere, a violência não vai aumentar. A gente prende e condena em progressão aritmética e o número de delinqüentes cresce em progressão geométrica.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Ministério Público, a promotora Gabriela Tabet, disse que logo após a decisão do STF se reuniu com os promotores da área de execuções penais para discutir o assunto. A solução encontrada pelo MP tem sido pedir agravo para as decisões dos juízes da VEP e impetrar mandados de segurança, a fim de obter liminares que suspendam o efeito da medida. De março até junho, o MP já impetrou 209 agravos.

Segundo Gabriela, a orientação é de que os critérios subjetivos, como o bom comportamento, sejam examinados, antes de o preso ganhar a progressão de regime.

¿ O STF afastou a proibição da progressão de regime para os crimes hediondos da Lei 8.072, mas a decisão se concede ou não o benefício fica a critério do juiz da Vara de Execuções Penais. Deve-se levar em conta a periculosidade, o comportamento do preso. O problema é que aqui no Rio isso não está sendo feito. Logo que saiu a decisão, o juiz daqui já pegou a lista para deferir os pedidos de hábeas-corpus ¿ contou a promotora. ¿ Nós pedimos que os exames criminológicos sejam feitos com mais critério, embora sustentássemos que a Lei de Crimes Hediondos não tenha sido declarada inconstitucional.

Na opinião do subsecretário de Administração Penitenciária, Aldney Peixoto, se o preso é perigoso, o juiz tem que avaliar as conseqüências:

¿ Para o preso perigoso não há que falar em ressocialização.