Título: Crack invade a menor cidade do Brasil
Autor: Ricardo Kotscho e Hélio Campos Melllo
Fonte: O Globo, 09/07/2006, O País, p. 20

Santa Cruz de Minas, município de 3 quilômetros quadrados e 8 mil habitantes, convive com a droga que mata

SANTA CRUZ DE MINAS (MG). No meio do nada, à beira da estrada onde placas anunciam o verdadeiro rocambole, café com prosa, pão de queijo com lingüiça, carne serenada e fumo-de-corda, o viajante toma um susto ao se deparar com a estranha pichação pintada num muro ao lado de uma obra abandonada, entre os bucólicos municípios de São Brás do Suaçuí e Lagoa Dourada: sistema de formação de psicóticos para manutenção de gângsteres. Política oligárquica. Baixíssimo nível de educação.

Quem seguir alguns quilômetros adiante vai se assustar ainda mais ao tentar descobrir o que anda acontecendo em Santa Cruz de Minas, o menor município brasileiro ¿ um enclave de apenas três quilômetros quadrados, situado entre as cidades históricas de São João del Rei e Tiradentes, às margens da Estrada Real, entre o Rio das Mortes e a Serra de São José, a 180 quilômetros de Belo Horizonte.

A cidade é tão pequena que é preciso prestar atenção para não passar por ela sem nem perceber, mas os sinais de crescimento da criminalidade, guardadas as devidas proporções de um município de oito mil habitantes, são tão alarmantes como os das nossas metrópoles.

À primeira vista, Santa Cruz parece um bairro da periferia de São Paulo, do subúrbio carioca ou do entorno de Brasília, com suas ruas calmas, por onde ainda trafegam carroças. As casas são pequenas e humildes, boa parte delas erguida com blocos sem acabamento, mas ainda não há favelas nem se encontram mendigos nas ruas. Só este ano a cidade inaugurou seu primeiro sinal de trânsito, no cruzamento que faz divisa com São João del Rei.

Para conhecer o drama que muitas famílias estão vivendo com seus jovens ameaçados pela droga e pela violência é preciso ir até a Praça São Sebastião 120, onde fica a Escola Estadual Amélia Passos. Logo no início do ano letivo, em fevereiro, os professores começaram a notar que algo de anormal se passava nas suas barulhentas salas de aula. Encontraram crianças apáticas, algumas dormindo nas classes, e ficaram ainda mais preocupados com as faltas cada vez mais freqüentes. Quando um aluno não respondia à chamada, colegas explicavam a ausência com naturalidade:

¿ Fulano não veio, está preso.

Gangues copiam facções criminosas

Os casos se repetiam dia após dia. O motivo era sempre o mesmo ¿ o crack, a droga que mata, havia invadido a cidade e tinha entre os 1.500 alunos da escola a sua maior clientela. Nas portas dos banheiros e nos muros próximos, a cada dia surgiam novas pichações demarcando os territórios das gangues que se formavam na região: CSC (Comando Santa Cruz), BDM (Bonde do Menor), Vida Loka, É Nóis, BDF (Bando das Furiosas) e CV (Comando Viado, que persegue gays). Códigos, costumes, roupas, adereços e músicas passaram a ser copiados das facções criminosas do Rio e de São Paulo.

Na Sexta-Feira Santa, dia 14 de abril, o drama que ainda estava circunscrito a algumas famílias pobres da minúscula cidade subiu ao altar da Matriz de Santo Antonio de Tiradentes. No meio do sermão, em que falava sobre violência, drogas e corrupção, temas recorrentes, o padre recebeu a notícia da tragédia e a comunicou imediatamente aos fiéis: um rapaz de 16 anos e sua irmã de 7 foram assassinados a tiros naquela madrugada em Santa Cruz de Minas.