Título: Criminalidade x educação
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 09/07/2006, O País, p. 4

Das cinco metas estabelecidas pelo movimento Compromisso de Todos pela Educação, que pretende criar um ambiente propício à melhoria da qualidade do ensino no país até o ano 2022, bicentenário da Independência, apenas uma não é ligada diretamente aos objetivos, mas estabelece critérios para que se obtenham os meios que possibilitarão o alcance das outras quatro metas. É a que trata da garantia dos recursos para a educação de qualidade. Inicialmente o objetivo era estabelecer um mínimo de 5% do PIB para investimento em educação. Depois, a meta ficou genérica, para ser definida mais adiante, mesmo porque existem dúvidas sobre se o que a educação brasileira precisa é de mais recursos ou de uma gestão mais competente.

O economista Luiz Schymura, do Ibre da Fundação Getúlio Vargas, faz uma análise sobre essa questão em sua carta mensal, onde destaca a importância da educação para o combate à criminalidade no Brasil. Segundo dados do Unicef, o Brasil, tendo gasto 4,15% do PIB em educação em 2002, está na média de um grupo selecionado de países desenvolvidos e em desenvolvimento. No mesmo ano, os Estados Unidos gastaram 5,71%, a Alemanha 4,77%, o Japão 3,58%, a Argentina 4,02%, o Chile 4,22% e a Bolívia 6,22%.

Em termos de gasto público em educação por estudante, como percentagem do PIB per capita, o Brasil, com 14%, fica atrás dos países ricos (25% nos Estados Unidos, 24% na Alemanha e 20% no Japão), mas está próximo do nível médio das nações latino-americanas ¿ 15% na Argentina, 17% no México, 9% no Peru, 12% no Uruguai e 20% na Colômbia (que está na dianteira).

Schymura observa que quando se analisam os resultados da educação brasileira, comparados com os dos seus vizinhos, ¿fica claro que historicamente o Brasil investiu pouco em educação¿. Citando dados de 2000 do Unicef, ele ressalta que a média de anos de ensino da população com 15 anos ou mais no Brasil era de 4,88 anos comparado com 8,83 na Argentina, 7,55 no Chile, 5,58 na Bolívia, 6,18 no Paraguai e 7,23 no México.

Em termos de qualidade, os indicadores educacionais brasileiros são igualmente desanimadores. Nos exames internacionais Pisa, que comparam o desempenho educacional de vários países ricos e alguns em desenvolvimento, o Brasil foi último uma vez e penúltimo na outra, com desempenho particularmente ruim em matemática, lembra Schymura.

Exatamente por isso as metas definidas pelo projeto Compromisso de Todos pela Educação são bem objetivas: até 2022, 98% das crianças e jovens brasileiros de 4 a 17 anos devem freqüentar a escola; 95% dos jovens brasileiros, na data do seu aniversário de 16 anos, devem ter completado o ensino fundamental (destes, 90% sem nenhuma repetência); 90% dos jovens brasileiros, na data do seu aniversário de 19 anos, deve ter completado o ensino médio (destes, 80% sem nenhuma repetência); toda criança de 8 anos deve estar alfabetizada; 95% dos alunos deve estar acima do nível básico e 75% acima nível satisfatório do Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb).

Depois de salientar a insuficiência dos governos na repressão aos criminosos, o economista Luiz Schymura destaca que, ¿devido à falta de investimento em educação básica de qualidade, o país vem perdendo a oportunidade de poder comemorar a grande vitória que é a redução da taxa de mortalidade infantil¿, que caiu à metade nos últimos 20 anos e está atualmente em torno de 30 por mil nascidos.

Para ele, ¿parte daquelas crianças que em outros tempos engordariam a lista de óbitos acaba crescendo sem oportunidades, e, por falta de alternativa, entra no mundo do crime¿. Ele atribui ao ¿baixo investimento histórico em educação¿ a taxa de natalidade muito alta entre os muito pobres, ¿o que faz com que a fileira dos sem oportunidades cresça e, por conseguinte, a criminalidade aumente¿.

Luiz Schymura diz que ¿a solução para os nossos altos índices de criminalidade passa, necessariamente, por mecanismos de atendimento à massa de crianças brasileiras geradas em ambientes extremamente desfavoráveis para prepará-las para uma vida honesta e digna¿. Ele chama a atenção para a ¿realidade espantosa¿ da pirâmide populacional dos grupos dos 10% mais pobres da população brasileira, comparada com a dos 10% mais ricos:

¿A primeira parece a típica pirâmide de um país pobre, muito larga na base (com uma grande população jovem) e estreita no topo. A pirâmide dos ricos, ao contrário, é semelhante à daqueles países ricos com população estabilizada, com uma base retangular que avança até a idade plenamente adulta, com uma camada mais larga aos 25 anos, e afinamento só a partir da meia-idade¿.

A explicação está nos dados sociodemográficos: os casais mais ricos têm em média 0,99 filho, comparado com a média de 4,5 filhos do grupo mais pobre. ¿Por conta disso, hoje, cerca da metade dos brasileiros de 0 a 15 anos reside em lares que não ultrapassam a linha de pobreza¿, ressalta o economista. A revolução educacional necessária dependerá, segundo Schymura, ¿bem mais de melhoras radicais de gestão do que da injeção de novos recursos ¿ embora esta última possibilidade também não deva ser descartada¿.