Título: Lucro ambiental
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 09/07/2006, Economia, p. 34

Os bancos vão apertar ainda mais o cerco em torno de projetos que ameacem o meio ambiente. Há três anos, dez instituições financeiras assinaram os Princípios do Equador, comprometeram-se a adotar critérios ambientais na aprovação de projetos. Na quinta-feira, em Londres, 42 bancos assinaram um aumento na exigência; desses, quatro eram brasileiros.

¿ A participação dos bancos brasileiros mostra a maturidade e a sofisticação do sistema financeiro do país na questão ambiental. Estão se formando padrões globais de avaliação ambiental de projetos e os bancos brasileiros estão participando da formulação desses padrões ¿ disse-me, de Nova York, Pamela Flaherty, vice-presidente socioambiental do Citigroup.

¿ Dez por cento dos signatários eram brasileiros e, por isso, o país ficou bem. Tanto que as perguntas dos jornalistas eram: por que os bancos chineses e indianos não estavam lá na mesma proporção? ¿ contou-me, de Londres, Cristopher Wells, superintendente do Real-ABN Amro para questões de sustentabilidade.

A economia vivia insulada; ainda vive. É como se fosse uma ilha sem contato com os interesses do resto da sociedade, como se qualquer exigência ambiental fosse um inconveniente obstáculo ao desenvolvimento, à criação de empregos. Nos Princípios do Equador, há diálogo. Os bancos se comprometeram a cumprir uma série de regras na concessão de empréstimos. Antes olhavam apenas o risco de crédito, se o tomador poderia pagar. Agora, olham o risco ambiental e social. Claro que o diálogo não nasceu por geração espontânea. Bancos foram pressionados por ONGs; no Brasil, pela Amigos da Terra. Nestes três anos, foram sendo criadas ferramentas para monitorar os riscos. Em Londres, houve um novo salto neste processo.

Na reunião na Inglaterra, aumentaram os signatários do acordo e caiu de US$50 milhões para US$10 milhões o limite a partir do qual o empréstimo tem que ser avaliado dentro das exigências de que não cause dano ambiental nem social às populações locais. Outra mudança é que passam a ser feitas as mesmas exigências a projetos velhos que tenham planos de expansão aprovados.

Pamela Flaherty, a quem as unidades de Citibank em cem países do mundo reportam as questões ambientais e comunitárias, lembra que essas exigências recaem sobre a aprovação de empréstimos na modalidade project finance. Não são para os empréstimos eventuais, de curto prazo, para as empresas, mas para os financiamentos de longo prazo que envolvem análise do projeto.

¿ A maioria das obras de infra-estrutura no mundo, hidrelétricas, estradas, portos, são feitas através do project finance ¿ disse.

O embrião desta idéia nasceu no International Finance Corporation, do Banco Mundial, e há três anos foi adotado por um grupo de dez bancos. No Brasil, naquela época, só o Real, e por causa do ABN Amro. Hoje já adotam os Princípios do Equador no país Banco do Brasil, Unibanco, Bradesco e Itaú-BBA.

Quem não acredita em generosidade de banco deve estar se perguntando se eles, de fato, irão mesmo pôr princípios à frente dos lucros na hora de fazer seus negócios. Perguntei isso aos bancos. Pamela respondeu que não há conflito entre uma coisa e outra.

¿ O Citigroup participou do pequeno grupo de bancos que escreveu o rascunho do acordo. Eram poucas instituições financeiras. Hoje está difícil ficar fora dos princípios. Sustentabilidade e lucro estão juntos. É bom para o banco ter bons clientes, isso dá lucro. Respeitar o meio ambiente e as comunidades locais é bom para os negócios.

Pedro Malan, presidente do Unibanco, também um dos signatários, concorda que não há conflito entre uma coisa e outra.

¿ O Unibanco foi o primeiro banco brasileiro a assinar os Princípios do Equador, logo no começo. Entre outras coisas, há também cálculo econômico nisto. Quanto custa para o banco ter um projeto que ele financiou com suas obras embargadas pela Justiça por controvérsias ambientais ou por ferir interesses da população local? Uma obra que, por um problema desses, tem o cronograma dilatado acabará significando prejuízo para o banco. Financia-se um project finance com expectativa de retorno ¿ explicou o ex-ministro.

O Bradesco aderiu aos princípios no fim de 2004 e o vice-presidente que cuida da questão, Milton Vargas, acha que, quanto mais explícitos forem os critérios de aprovação de projeto, mais garantia terá o banco:

¿ Além de criar critérios para os empréstimos, é preciso também criar redes para propagar boas práticas. Temos 1.500 fornecedores; já fizemos uma reunião com 300 deles sobre a questão ambiental e queremos fazer com todos. Temos critérios como clientes desses fornecedores e compromissos, como a erradicação do trabalho escravo.

Cristopher Wells, do Real-ABN Amro, acha que a questão deu um salto na semana passada ao tornar os critérios mais claros, o compromisso mais firme. A queda do limite de US$50 milhões para US$10 milhões é mais simbólica, porque 98% dos projetos têm valores acima de US$50 milhões, mas algumas mudanças são fundamentais.

¿ Antes se exigia que as empresas fizessem consulta pública sobre o projeto, hoje o banco está obrigado a contratar um consultor para avaliar a qualidade da consulta pública. O importante dos Princípios do Equador é que não há governo no meio, são os bancos e as ONGs encontrando as melhores práticas. Nós temos uma equipe que cuida especificamente da avaliação ambiental dos projetos e, no meu setor, eu trabalho não com gente do mercado financeiro, mas com especialista em meio ambiente. No ano passado, dois projetos foram vetados por nós.

O planeta agradece.