Título: PAÍS BASCO ENTRE A DESCRENÇA E A ESPERANÇA DE PAZ COM O ETA
Autor: Priscila
Fonte: O Globo, 09/07/2006, O Mundo, p. 44

Anúncio de diálogo entre o governo socialista da Espanha e grupo separatista divide opiniões e polariza um dos bastiões do movimento

BILBAO, San Sebastián.Três anos sem matar. Mais de três meses, desde o último cessar-fogo, sem cometer atentados e, aparentemente, sem ameaçar nem extorquir. Depois desse período menos violento, o grupo separatista basco ETA (País Basco e Liberdade) não conseguirá o desejado direito à autodeterminação, mas se aproxima de alcançar uma de suas reivindicações: concentrar seus 490 presos, distribuídos por cadeias espanholas, em penitenciárias do País Basco.

Oposição não aceita diálogo com o grupo separatista

Esta será a pauta inicial, segundo diferentes fontes consultadas pelo GLOBO, das negociações entre o ETA e o presidente do governo espanhol, o socialista José Luís Rodrígues Zapatero, anunciadas recentemente.

¿ A negociação trata de assuntos que atingem diretamente o ETA: presos, refugiados, armas e o fim da organização. O debate político sobre o futuro do País Basco será posterior. O ETA não participará, mas certamente o Batasuna (partido nacionalista-independentista de esquerda que foi ilegalizado por sua vinculação com ETA) sim. Pode-se contar que, com certeza, em setembro, o Batasuna já estará legalizado ¿ afirma Pedro Ibarra Güell, catedrático de Ciências Políticas na Universidade do País Basco, autor do livro ¿A evolução estratégica do ETA¿.

Representada pelo conservador Partido Popular, que governou a Espanha de 1996 a 2004, e por uma associação de vítimas do terrorismo do ETA, a oposição não aceita, entretanto, o diálogo do governo com o grupo separatista. O PP, que se sentou para negociar com o ETA no final da década de 1990, trasladou 190 presos para o País Basco entre 1996 e 1999.

Também neste período foram concedidos benefícios penitenciários (regime semi-aberto em que só tinham que ir ao presídio para dormir) a 29 membros do ETA. O argumento atual da oposição é que o fim de ETA deve ser tratado exclusivamente por meio de ações policiais e judiciais.

¿ O ETA está enfraquecido, mas não é possível acabar com a organização neste momento pela via policial. Quem sabe dentro de alguns anos. Mas continuar com o enfrentamento para, quem sabe, dentro de uns cinco anos, conseguir a paz, significa poder deixar muitos mortos neste caminho. Seria um absurdo não ir adiante neste processo de negociação ¿ opina Ibarra Güell.

Mas no País Basco, cujo Parlamento regional é integrado por sete partidos, nacionalistas e não-nacionalistas, há muitos cidadãos que não pensam nem como os socialistas nem como os populares.

As opiniões são completamente distintas e, muitas vezes, irreconciliáveis. Há os que aceitam o diálogo mas não admitem negociações ou qualquer tipo de concessão. Os que aceitam que os presos de ETA sejam trasladados para prisões bascas, por exemplo, não cogitam uma posterior anistia. Há os que querem e os que não querem a autodeterminação. Os que sequer estariam de acordo com um referendo sobre a independência. Há, ainda, os que não comungam das opiniões da chamada esquerda abertzale (esquerda nacionalista, na qual se encontra o ETA) e sentem sua liberdade de expressão cerceada por eles. Há também os que são abertzales e se sentem cerceados pelo Estado. Os que se sentem só bascos e os que se sentem bascos e espanhóis.

Neste ambiente, a questão política é visceral mas, ao mesmo tempo, não se conversa sobre ela em círculos sociais abertos ¿porque nunca se sabe quem está a seu lado¿. E os bascos, então, vão levando adiante seu dia-a-dia. A maioria dos entrevistados pelo GLOBO coincide em afirmar que o ambiente está ¿algo mais relaxado ¿ desde a trégua iniciada no dia 24 de maio deste ano. Mas não a ponto de fazer com que os cerca de 1.900 que se sentem ameaçadas prescindam de seus guarda-costas. A situação é de total expectativa.

¿ Podemos conversar sobre a situação no País Basco depois da trégua?

¿ Aqui? ¿ diz I. Z., olhando para os clientes de um restaurante no centro histórico de Bilbao. ¿ Agora não.

¿ E posso tirar uma foto sua?

¿ Só se for com um capuz na cabeça ¿ brinca.