Título: SERIA DEMAGOGIA DEMAIS¿
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 11/07/2006, O País, p. 3

O tiro não saiu totalmente pela culatra, mas também não atingiu o alvo. O presidente Lula vetou o reajuste de 16,67% para aposentados e pensionistas que ganham acima de um salário-mínimo, como queria a oposição, e vai ter algum desgaste político junto às faixas de renda média que seriam beneficiadas, dizem cientistas políticos e economistas. Mas isso não deverá ser suficiente para causar impacto significativo nos resultados das pesquisas de opinião, afirmam.

Primeiro porque o presidente estaria "blindado" nas faixas de renda mais baixa. Segundo porque os 5% de reajuste propostos como compensação aos 16,67% ainda representariam ganho acima da inflação. No acumulado em 12 meses, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, deve ficar ligeiramente acima de 4%.

¿ No frigir dos ovos, entre perdas e ganhos, o quadro eleitoral tende a permanecer inalterado ¿ prevê o professor de Economia do Trabalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcelo Paixão.

O coordenador de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), Eurico de Lima Figueiredo, também diz acreditar que o impacto maior será só na classe média:

¿ As faixas de renda baixa foram as mais beneficiadas pelos reajustes do salário-mínimo e pelos programas sociais. Aí já há uma cristalização da opinião ¿ diz ele.

Paixão acha que pesa, ainda, a favor de Lula, memória do público-alvo do reajuste, que no governo anterior não teve aumento real para aposentadorias e pensões. Por isso, na opinião dele, nem o PSDB nem o PFL tirariam votos de Lula neste grupo de aposentados, mas sim candidatos como a senadora Heloísa Helena (PSOL).

O cientista político Fábio Wanderley Reis também calcula que o impacto negativo para Lula será marginal. Mas não acredita que a oposição estivesse esperando derrubar o presidente nas pesquisas.

¿ A estratégia é causar pequenos desgastes ¿ disse ele.

Além disso, os 5% de reajuste propostos pelo governo podem não satisfazem os que deixaram de ganhar 16,67%, mas significam ganho acima da inflação, observa o professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Renato Fragelli.

¿ Nenhum país do mundo dá aumentos acima da inflação para aposentados ¿ acrescenta.

Segundo Fragelli, desde o Plano Real, em 1994, até agora, o salário-mínimo subiu 94% acima da inflação, agravando a situação da Previdência. São 19 milhões de pessoas recebendo benefício equivalente a um salário-mínimo. Os que contribuíram recebem pelo INSS. Os que não contribuíram mas declaram ter pouca renda, pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

¿ Muita gente pode ficar com raiva de Lula por causa do veto. Mas a situação da Previdência é grave. Seria demagogia demais, como já foi o aumento do salário-mínimo de R$300 para R$350 ¿ acrescentou Fragelli.